Boato – Professora da USP faz relato sobre como é morar em Roraima após passar em um concurso público federal. No texto, diz que americanos dominaram estado.
É fato que o Brasil é um país tão grande que a vida que uma pessoa leva em uma região acaba sendo completamente diferente do cotidiano de outra pessoa de outra região. Poderíamos falar de características intrínsecas a cada estado do país, mas o nosso negócio é desmentir boatos. Então, o nosso papo de hoje é sobre Roraima.
Região quase esquecida para quem mora no Sudeste/Sul do país (principalmente, por motivos geográficos), Roraima (que se pronuncia Roraima e não Rorãima) é tema de um texto que está viralizando no WhatsApp após a rebelião na penitenciária de Boa Vista.
Pois bem, o texto joga um monte de informações sobre a vida no estado brasileiro e é um tanto quanto genérico. Desta vez, nós vamos desmentir ponto por ponto para você (e nem a gente se perder).
1) Funcionária pública descreveu como é morar em Roraima?
O primeiro ponto está na autoria do texto. Assim como muitas mensagens que circulam na internet, ele está sendo atribuído à pessoa errada. Quando começamos as nossas pesquisas sobre o assunto, descobrimos que o texto circula há muito tempo. E que Mara Silvia Alexandre Costa, do Departamento de Biologia da FMRP/USP não foi a autora do texto. À época, ela desmentiu a informação. De quebra, deu crédito ao Quatro Cantos, site que desmente boatos. Leia:
“Gostaria de informar que se você está tentando me localizar para saber da veracidade do e-mail que fala sobre Roraima, posso lhe afirmar que tal e-mail não é de minha autoria, NUNCA ESTIVE EM RORAIMA. Assim como voce recebeu este e-mail, eu recebi, repassei e por algum motivo ficou com a minha assinatura eletronica. Caso tenha interesse, existe um site que trabalha por desvendar estas notícias que correm na internet, e eles já trabalharam com esta mensagem. Por favor acesse: www.quatrocantos/lendas/145_roraima.htm”
Ou seja, o texto, apesar da assinatura, tem (até o momento) autoria indefinida. Antes de desmentir ponto a ponto do artigo, devemos falar que ele reflete uma opinião. E claro que opinião (principalmente de alguém que diz ter uma primeira impressão de um local) não deve ser tomada como verdade absoluta. Agora sim, vamos ao texto:
Proporção de Roraima é 10 não-nativos para um nativo?
Conversei com algumas pessoas nesses três dias, desde engenheiros até pessoas com um mínimo de instrução. Para começar, o mais difícil de encontrar por aqui é roraimense. Pra falar a verdade, acho que a proporção de um roraimense para cada 10 pessoas é bem razoável, tem gaúcho, carioca, cearense, amazonense,piauiense, maranhense e por aí vai. Portanto, falta uma identidade com a terra.
É fato que o estado teve muita migração interna. Mas falar da proporção 10 para 1 é, no mínimo, um exagero. De acordo com informações do IBGE, 45,4% da população é de fora do estado. Talvez, a pessoa que escreveu o texto (seja lá quem for) tenha conversado só com não-nativos.
Em Roraima, você é funcionário ou recebe do governo. Não têm indústrias
Aqui não existem muitos meios de sobrevivência, ou a pessoa é funcionária pública, (e aqui quase todo mundo é, pois em Boa Vista se concentram todos os órgãos federais e estaduais de Roraima, além da prefeitura é claro) ou a pessoa trabalha no comércio local ou recebe ajuda de Programas do governo.
Não existe indústria de qualquer tipo. Pouco mais de 70% do território roraimense é demarcado como reserva indígena, portanto restam apenas 30%,descontando- se os rios e as terras improdutivas que são muitas, para se cultivar a terra ou para a localização das próprias cidades.
A pessoa, novamente, exagerou nas tintas. É fato que a cidade de Boa Vista tem muitos centros comerciais. Porém, há também a atividade agropecuária no estado e, sim, há indústrias. E não, não é 70% da terra que é demarcada. Há quantidade correta é 46,20%. De uma área de 22,4 mi de hectares, 10,3 mi são demarcados.
Só tem uma rodovia e americanos dominaram Roraima
Na única rodovia que existe em direção ao Brasil (liga Boa Vista a Manaus, cerca de 800 km ) existe um trecho de aproximadamente 200 km reserva indígena (Waimiri Atroari) por onde você só passa entre 6:00 da manhã e 6:00 da tarde, nas outras 12 horas a rodovia é fechada pelos índios(com autorização da FUNAI e dos americanos) para que os mesmos não sejam incomodados…
Outro detalhe: americanos entram à hora que quiserem. Se você não tem uma autorização da FUNAI mas tem dos americanos então você pode entrar. A maioria dos índios fala a língua nativa além do inglês ou francês, mas a maioria não sabe falar português. Dizem que é comum na entrada de algumas reservas encontrarem- se hasteadas bandeiras americanas ou inglesas.
Não há apenas uma rodovia federal em Roraima. É fato que há uma rodovia que passa por bloqueios. Também não há relatos (além do texto citado) de que a terra seja dominada por estrangeiros.
Estrangeiros têm livre acesso à Roraima
É comum se encontrar por aqui americano tipo*nerd*com cara de quem não quer nada, que veio caçar borboleta e joaninha e catalogá-las, mas no final das contas, pasme, se você quiser montar uma empresa para exportar plantas e frutas típicas como cupuaçu, açaí, camu-camu etc., medicinais ou componentes naturais para fabricação de remédios, pode se preparar para pagar ‘*royalties*’ para empresas japonesas e americanas que já patentearam a maioria dos produtos típicos da Amazônia…
…
Nenhuma bagagem de estrangeiro é fiscalizada, principalmente se for americano, europeu ou japonês, (isso pode causar um incidente diplomático). Dizem que tem muito colombiano traficante virando venezuelano, pois na Venezuela é muito fácil comprar a cidadania venezuelana por cerca de 200 dólares.
Mais uma vez, exagero. Como unidade da federação, Roraima segue as mesmas regras do resto do país. Ou seja, se um estrangeiro pode pisar em São Paulo, pode pisar em Roraima. Os estrangeiros não têm trânsito livre no estado. Tanto que a questão da migração venezuelana têm se tornado um problema no estado.
Essa parte do boato já causou dores de cabeça a estrangeiros. Em 2011, esse site relatou que duas acadêmicas da USP tiveram problemas, já que todos os nativos acharam que ela “roubariam a Amazônia”. Só para terminar, olha o que a mensagem fala:
Gostaria que você que recebeu este e-mail, o repasse para o maior número possível de pessoas. Do meu ponto de vista seria interessante que o país inteiro ficasse sabendo desta situação através dos telejornais antes que isso venha a acontecer.
Assim como a maioria dos textos falsos que circulam online, ele pede o compartilhamento. Ou seja, tem a característica mágica de um boato online. Resumindo: não só o texto que fala como é viver em Roraima não foi escrito por uma professora como também ele é recheado de estereótipos e exageros. Não compartilhe o texto. Compartilhe a verdade.
Nota do autor: nunca, infelizmente, pisei em Roraima e não posso dar a minha opinião pessoal sobre como é viver no estado. Porém, é fato que muitas pessoas devem ter opiniões bem menos pessimistas sobre o cotidiano local do que o descrito no texto. Vale apontar que, muitas vezes, são nossas atitudes que tornam um local bom ou ruim para se viver.
Ps.: Esse artigo foi uma sugestão de Hildegard Abt, Kathia Gloria, J. Coelho e diversos leitores no WhatsApp. Se você quiser sugerir um tema aos Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook ou WhatsApp no telefone (61) 99331-6821.