Boato – Depois de fazerem um curso de tecelagem do Sinditextil, 500 mulheres cearenses recusaram empregos com medo de perder o benefício do Bolsa Família.
Há cerca de oito horas, falamos aqui no Boatos.org (mais exatamente no texto que falava sobre o “Bolsa Gay”) que as pessoas têm criado um fetiche cada vez maior em fake news relacionadas a benefícios do governo. A prova disso é que algumas histórias antigas estão sendo, inclusive, ressuscitadas. É o caso da mensagem sobre as 500 mulheres cearenses que teriam feito o curso de tecelagem do “Sinditêxtil”.
De acordo com um “textão” que voltou a circular no WhatsApp e no Facebook, o Sinditextil (Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral) do Ceará teria fechado um convênio com o governo para realizar um curso grátis. A condição seria as mulheres serem do Bolsa Família. Elas teriam feito o curso e aprendido. Só que na hora de pegar a vaga, dispensaram o emprego para ficar com o benefício.
A mensagem usa o “case” para provar que o Bolsa Família é um programa que só ensina vagabundagem enquanto outras pessoas têm que pagar 27,5% do salário em impostos. Leia a mensagem que circula online (tentamos cortar, mas não deu).
Mulheres cearenses – acredite se quiser! LEIA ATÉ O FIM!!!! E TIRE SUAS CONCLUSÕES!!! NÃO É BRINCADEIRA NÃO!!! É INACREDITÁVEL – ABSURDO – MAS É O “NOSSO BRASIL”! Aconteceu no Ceará! Curso para 500 mulheres.
Como o setor têxtil é de vital importância para a economia do Ceará, a demanda por mão de obra na indústria têxtil é imensa e precisa ser constantemente formada e preparada. Diante disso, o Sinditêxtil fechou um acordo com o Governo para coordenar um curso de formação de costureiras. O governo exigiu que o curso devesse atender a um grupo de 500 mulheres que recebem o Bolsa Família. De novo: só para aquelas que recebem o Bolsa Família.
O importante acordo foi fechado dentro das seguintes atribuições: o Governo entrou com o recurso; o SENAI com a formação das costureiras, através de um curso de 120 horas/aula; e o Sinditêxtil, com o compromisso de enviar o cadastro das formadas às inúmeras indústrias do setor, que dariam emprego às novas costureiras. Pela carência de mão obra, a idéia não poderia ser melhor.
Pois bem. O curso foi concluído recentemente e, com isso, os cadastros das costureiras formadas foram enviados para as empresas, que se prontificaram em fazer as contratações. E foi nessa hora que a porca torceu o rabo, gente. Anotem aí: o número de contratações foi ZERO. Entenderam bem? ZERO!
Enquanto ouvia o relato, até imaginei que o número poderia ser baixo, mas o fato é que não houve uma contratação sequer. ZERO. Sem nenhum exagero. O motivo? Simples, embora triste e muito lamentável, como afirma com dó, o diretor do Sinditêxtil: todas as costureiras, por estarem incluídas no Bolsa Família,se negaram a trabalhar com carteira assinada.
Para todas as 500 costureiras que fizeram o curso, o Bolsa Família é um benefício que não pode ser perdido. É para sempre. Nenhuma admite perder o subsídio SEM NEGÓCIO. Repito: de forma uníssona, a condição imposta pelas 500 formadas é de que não se negocia a perda do Bolsa Família. Para trabalhar como costureira, só recebendo por fora, na informalidade. Como as empresas se negaram, nenhuma costureira foi aproveitada.
Casos idênticos do mesmo horror estão se multiplicando em vários setores. É a prova cabal de que ser um VAGABUNDO dá lucro neste país, o errado agora é trabalhar. QUEM ESTÁ CRIANDO ELEITORES DE CABRESTO, COMPRADOS ATÉ EM SUA DIGNIDADE, RECUSANDO-SE A TRABALHAR PELO SEU SUSTENTO? ADVINHA QUEM PAGA O PATO, TODO MÊS DESCONTANDO 27,5 % DE I.RENDA?
Sou EU o grande idiota dessa história, que sou obrigado a trabalhar para pagar os impostos que esses VAGABUNDOS que o governo FICHOU e agora não consegue DESPEDIR. SE VOCÊ É UM BRASILEIRO DE BOM SENSO, ENTÃO REPASSE POR FAVOR!
Mulheres cearenses recusaram emprego após curso por causa do Bolsa Família?
Muita gente tem compartilhado a história com uma convicção de dar inveja. A pena é que a percepção delas não é tão eficiente quanto a convicção. Sim, porque a história que fala de “Sinditêxtil”, Bolsa Família e mulheres cearenses não passa de um conto da carochinha. Vamos aos fatos.
Ao bater o olho no texto, já identificamos alguns indícios de que a história é falsa. Texto vago (não fala, por exemplo, quem é o diretor do Sinditextil), com erros de ortografia (inclusive na grafia de Sinditextil, que é sem acento), com caráter alarmista (com direito a letras maiúsculas), pedido de compartilhamento e sem citação de fontes.
De cara, já vimos que algumas informações não batiam. A primeira delas é a que cita o SENAI como órgão de governo. Apesar de ter alguns convênios com órgãos públicos, o SENAI é uma instituição privada. Talvez se o texto fosse menos vago, a gente entenderia.
Outro ponto está na informação de que os “trabalhadores” pagam 27,5% de Imposto de Renda. Na realidade, é a alíquota máxima que é nesse valor (acima de R$ 4.664,68). Mesmo que a pessoa ganhe mais do que isso, o desconto do IR segue uma tabela progressiva que começa em “zero”. O cálculo é complexo (e está bem explicado aqui), mas o fato é que não procede a informação que “trabalhadores” pagam 27,5% de Imposto.
Há, ainda, um ponto central que faz a história não “bater”. Ele parte de uma premissa de que, se as pessoas arranjarem trabalho, perdem o Bolsa Família. Pelo jeito, quem escreveu não conhece muito sobre as regras do programa. Se você não sabe, o valor recebido é de R$ 85 mais R$ 39 por filho menores de 18 anos. E o requisito é você ter uma renda per capita (por pessoa) de R$ 85 ou R$ 170 (se você tiver crianças e adolescentes). Com isso, vamos imaginar duas situações:
1) Uma mulher sem filhos ganha R$ 85 por mês de Bolsa Família. De repente, ela tem a chance de ganhar R$ 954 (como o texto não fala em valores do salário que as mulheres cearenses ganhariam, vamos partir do básico) e perder R$ 85. O que ela escolhe? De acordo com o texto, continuar com os R$ 85. Isso não faz muito sentido, não é?
2) Uma mulher casada (com o marido desempregado) tem cinco filhos (7 pessoas em casa). Ela ganha R$ 280 por mês e tem a chance de ganhar R$ 954. Neste caso, ela não precisa nem escolher entre um e outro. Mesmo ganhando um salário mínimo, ela não perderia o benefício por que a renda per capita da casa ficaria em R$ 136,28. Como ela tem crianças pequenas, se encaixaria nos requisitos para receber o benefício.
A gente deu algumas explicações a mais para você ter um pouco mais de senso crítico ao analisar “textões online” sobre o Bolsa Família e para sermos didáticos para mostrar as características de um boato. Nem precisaria disso tudo para provar que a história é falsa por um motivo simples: o Sinditextil desmentiu o “causo”.
Na realidade, essa mensagem circula desde 2009. Em 2014, uma gerente de uma agência da Caixa Econômica Federal teve que responder um processo disciplinar por ter repassado o boato na web. À época, o jornal O Globo descreveu a mensagem enviada como falsa.
A assessoria de imprensa do Sinditextil Ceará informou que o artigo que circula na internet é de 2009 e é falso. De acordo com a assessoria, esse curso nunca existiu e o Sinditextil nunca o propôs.
Resumindo: a história que aponta que mulheres cearenses se negaram a trabalhar para não perder o benefício do Bolsa Família é falsa. Além de a mensagem não ter nem pé nem cabeça, ela é antiga e já foi desmentida pelo próprio Sinditextil. A gente até poderia enumerar outros motivos, mas acho que tá bom, né?
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.