Passadas algumas semanas das denúncias do Pavão Misterioso, listamos alguns motivos que mostram por que o perfil no Twitter desafia (algumas vezes com sucesso) a inteligência e o bom senso das pessoas.
Depois que o The Intercept divulgou conversas do ministro Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato, um perfil de nome Pavão Misterioso vomitou denúncias via Twitter. Em duas ocasiões, nos dias 16 de junho de 2019 e 7 de julho de 2019, o Pavão Misterioso fez acusações contra membros do site The Intercept e políticos de esquerda.
Dentre as acusações, duas se destacaram. A primeira aponta que Glenn Grenwald (responsável pelo The Intercept) contratou um hacker russo conhecido internacionalmente para roubar as informações de Moro e pagou com Bitcoins. A segunda dá conta de que Glenn comprou o mandato de Jean Wyllys para que o seu marido, David Miranda, virasse deputado federal.
Passadas algumas semanas das denúncias, podemos afirmar que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso (independentemente do posicionamento político) consegue perceber que as teses conspiratórias não se sustentam (se eu estiver errado podem vir me cobrar por aqui). Para facilitar o seu entendimento, listamos cinco motivos que embasam por que você não deve acreditar tão piamente no Pavão Misterioso e nas suas denúncias.
1) A fonte das denúncias
Não são poucas as vezes que destacamos a importância de saber de “onde saiu a informação que está sendo veiculada”. E, ao olhar para as denúncias, temos o Pavão Misterioso. Ou mais exatamente uma conta criada anonimamente em redes sociais (mais exatamente no Twitter) só para espalhar suas denúncias e sumir.
Não há como igualar o modus operandi do Pavão Misterioso com o do The Intercept no caso Moro. Apesar dos dois se assemelharem no quesito “anonimato de fontes”, o perfil no Twitter vai além ao manter o anonimato de quem publica a informação. Enquanto o The Intercept (e seus integrantes) lidam com o ônus e respondem pelo conteúdo publicado (inclusive falando sobre metodologia), o Pavão Misterioso “solta a informação e some”.
Ou seja: só o fato de não ter ninguém que responda pelas acusações publicadas no Twitter já merece um olhar crítico em relação à veracidade da informação.
2) Faltou rechecagem
Quando matérias dos diálogos de Moro com Dallagnol saíram em veículos como a Folha de S.Paulo e Veja, houve uma rechecagem de informações. Os números de telefones foram confirmados por meio de mensagens trocadas entre o ex-juiz (ou pelo procurador) com as equipes de reportagem. Mesmo assim, ainda foram levantadas dúvidas em relação ao conteúdo (principalmente pelo lado de quem defende Moro).
No caso do Pavão Misterioso, sequer houve este cuidado. Aí eu lhe pergunto: se o caso em que houve uma “rechecagem” confirmando os números de telefone ainda suscita dúvidas, o que dizer do caso em que as “informações” foram jogadas aos quatro ventos? Mais um motivo para não acreditar piamente.
3) Erros nas publicações
Desde que saíram as primeiras denúncias no Twitter, erros nas publicações já foram apontados por perfis em redes sociais, sites de notícias e sites de fact-checking (como o próprio Boatos.org, o Estadão Verifica e o E-farsas). Vamos citar apenas alguns deles.
1) Há erros no valor de conversão do Bitcoin no suposto depósito de Glenn ao hacker russo. 2) O “extrato” não é reconhecido por especialistas como real. 3) Há erros na forma que a unidade monetária é descrita (usando o padrão da língua portuguesa e não do inglês). 4) Há erros de fuso horário nas conversas mostradas como de Jean Wyllys. 5) O número atribuído a “hackeamentos” foram recém-registrados.
Poderíamos ficar listando tantos outros erros, mas esses (que não foram refutados com eficiência até porque não há quem “responda” pelo Pavão Misterioso) já denotam que há algo de errado na denúncia.
4) As denúncias não deram em nada
É fato que o que foi apresentado é gravíssimo. Denúncias como essas já teriam consequências bombásticas se fossem reais. Só há uma questão: já passou um mês desde que o Pavão Misterioso surgiu e nada foi feito.
Antes que você diga que foi aberta uma investigação sobre a venda de mandado de Jean Wyllys para David Miranda por causa dos tuítes do Pavão Misterioso, saiba que já existia um pedido feito por um deputado antes mesmo das publicações do perfil.
5) O objetivo não é fazer você acreditar. É apenas “causar”
A forma que as denúncias foram feitas (sem lastro para a checagem e sem nenhum compromisso sequer com a verossimilhança) mostra que o perfil não tem como objetivo principal fazer com que as denúncias “peguem”. Há dois objetivos (vale dizer que utilizada por todos os “polos” da política) “mais importantes” em um tipo de ataque como esse (que não vai dar em nada).
O primeiro deles é fazer com que as pessoas fiquem com “uma pulga atrás da orelha” em relação a figuras ligadas ao The Intercept. O segundo (e, na minha opinião, principal) é tentar igualar (nivelando a qualidade por baixo) a série de matérias do The Intercept aos tuítes do Pavão Misterioso. Em outras palavras, a série de tuítes busca mais “causar” (e dar argumentos contra o The Intercept) do que informar.
Da próxima vez que você vir uma série de tuítes com denúncias bombásticas, sem identificação do emissor, sem uma metodologia para checagem com erros crassos e com caráter alarmista, pense duas vezes antes de você sair esbravejando e denunciando por aí. Não deixe ninguém desafiar (com sucesso) a sua inteligência e o seu senso crítico. Fica a dica.
PS (atualizado após a publicação do texto): Respondendo sobre o The Intercept. Há, sim, alguns questionamentos como, por exemplo, qual a real gravidade das conversas entre Moro e Dallagnol, se há exagero no que está sendo publicado ou mesmo se usar conteúdos provindos de uma ação hacker (ainda não está claro se foi isso) fere a ética jornalística. Só o tempo responderá essas questões de forma mais concreta.
Apesar disso, não há como comparar o que está sendo apresentado pelo The Intercept com as denúncias do Pavão Misterioso. De um lado, temos a divulgação de um material verificado como real por diversos veículos de mídia. Do outro, só um amontoado de denúncias vazias que viralizaram por aí.