Boato – A prefeitura de Fortaleza realizou um treinamento e criou uma cartilha para professores incentivarem a sexualização infantil em escolas.
Dentre as inúmeras fake news que circulam no debate político, uma das que mais prosperam entre os conservadores são as que falam de práticas (normalmente atribuídas à esquerda) impróprias direcionadas às “criancinhas do Brasil”. Discursos como o que aponta que existe um “kit gay” nas escolas ou que querem aprovar o incesto em lei valem votos durante as eleições e muitos compartilhamentos fora do período eleitoral.
Nesta “pegada”, começou a circular “um escândalo” que teria sido propiciado pela prefeitura de Fortaleza. De acordo com mensagens, a Secretaria Municipal de Educação teria criado uma cartilha que seria utilizada em um treinamento para coordenadores pedagógicos e visava incentivar a sexualização entre crianças. Leia algumas versões da denúncia que circula online:
Versão 1: ALGUÉM PODE ME DIZER AE ISSO É REAL M… infantil para acalmar as crianças nas Creches do Ceará com aval da Sec. de Educação. Versão 2: Cartilha no Ceará incentivando cuidadores a m… crianças em creches! A esquerda é diabólica. Não estamos lidando com pessoas normais, estamos lidando com diabos/monstros.
Versão 3: M… INFANTIL, isso mesmo, vc não ouviu errado, as creches municipais no estado do Ceará estão estimulando esse ato abominável… Versão 4: *Ceará – creches.* – Sexualização infantil. – M… de crianças. _Prefeito Roberto Claudio, PSB,_ _Gov. Camilo Santana, PT_ Os dois são crias do *Império Família Gomes* Ciro/Cid Gomes
Junto às mensagens, vídeos e fotos da suposta cartilha foram apresentados. Por decisão editorial, resolvemos não colocá-los aqui. Porém, vamos fazer um “resumo” do material atribuído à Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza:
A capa do material aponta que se trata da “5ª formação de Coordenadores pedagógicos da educação infantil”. Nos slides seguintes, é dito que o “tema” de “agosto” é “sexualidade na primeira infância”. Na apresentação do “trabalho” (que tem a qualidade de um trabalho de 1º ano Ensino Médio) são apresentados os itens.
No primeiro tópico (o mais polêmico), é apresentado “um breve histórico”. No trecho que fala dos Séculos XV e XVI, é dito que pais e amas realizavam práticas “impróprias” para “acalmar crianças” e que isso “se perdeu” com o passar dos anos.
Depois, a cartilha fala sobre questões de gênero, tem uma charge sobre Damares (totalmente deslocada do conteúdo) e, ao final, cita uma série de situações entre crianças que também estão deslocadas do conteúdo.
Prefeitura de Fortaleza criou cartilha que incentiva a sexualização infantil em escolas?
O conteúdo é, de fato, um pouco estranho (principalmente em se tratando de algo que seria direcionado à primeira infância). Ele só ficou pior com a interpretação tomada por algumas pessoas. Mas será mesmo que a prefeitura de Fortaleza é a autora do tal curso e será que o objetivo é fazer com que cuidadores realizem práticas impróprias em crianças? A resposta é não. Vamos aos fatos.
Fizemos o que nem todas pessoas fizeram. 1) Lemos o suposto conteúdo por completo. 2) Buscamos referências sobre as tais teses. Ao buscar pelas duas mais polêmicas, achamos alguns furos que enfraquecem a tese de material “direcionado a crianças”.
A parte histórica foi copiada deste conteúdo (um estudo acadêmico da Unesp) e retirado de contexto. No trabalho original, é dito justamente o contrário. O estudo aponta como a mídia pode causar a erotização precoce da criança e como a educação sexual pode amenizar esse efeito. Não tem nada de incentivo à prática imprópria alguma.
Já a charge de Damares (uma relação com fato de ela ter dito que meninos vestem azul e meninas vestem rosa e a denúncia dos “laranjas” do PSL) foi retirada deste site. O interessante é que nenhum dos dois trabalhos estão citados nas referências bibliográficas.
Não bastasse isso, fomos procurar mais “provas” sobre o tal curso. Nada encontramos além de acusações vindas de setores que já fizeram denúncias, no mínimo, suspeitas como a que Jean Wyllys teria fugido do Brasil para não ser preso pela tentativa de assassinato de Bolsonaro. Fonte oficial? Não. Repositório com a “cartilha” ou com o curso? Nada. Declaração de professor que realizou o curso? Nem.
Para terminar, a própria prefeitura de Fortaleza se manifestou sobre o assunto. Em nota oficial, ela classificou o conteúdo como falso e afirmou que vai tomar medidas jurídicas cabíveis. Leia a nota por completo:
NOTA DE ESCLARECIMENTO Em razão da disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais que buscam afetar a imagem da Secretaria Municipal de Educação e em respeito a um trabalho sério realizado por mais de 14 mil profissionais da Educação Pública Municipal de Fortaleza, entre os quais dedicados professores e gestores, a Prefeitura de Fortaleza vem a público esclarecer que:
1. Nunca houve qualquer produção ou distribuição de nenhum material pedagógico envolvendo sexualidade infantil para as unidades educacionais do Município. 2. A temática supracitada NÃO faz parte de nenhuma das diretrizes curriculares da Educação Infantil pública de Fortaleza. 3. A Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza já determinou todas as imediatas medidas judiciais cabíveis, inclusive com a solicitação de instauração de Inquérito Policial para apurar a autoria de atividades criminosas que atestam contra princípios basilares da ordem pública.
A Prefeitura de Fortaleza reitera ainda o total apoio e solidariedade ao trabalho que vem sendo conduzido pela Secretaria Municipal de Educação em conjunto com centenas de gestores e milhares de professores e educadores que vêm empreendendo grandes esforços e conquistando impressionantes resultados, que têm transformado a Educação Municipal de Fortaleza em um exemplo nacional de superação. Fortaleza, 02 de setembro de 2019.
O governo do Ceará também desmentiu a informação. Em nota, a informação foi classificada como “irresponsável” e aponta que a disciplina de educação sexual não integra a grade curricular do ensino infantil no estado.
É importante citar que a informação também foi desmentida em sites locais de notícias como o Diário do Nordeste, O Povo, TNH1 e pelo site de fact-checking e-Farsas, que aponta que não há quaisquer registros de ensino de Educação Sexual ou previsão de “cursos sobre o tema” nos repositórios da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza.
Resumindo: a história que aponta a prefeitura de Fortaleza criou uma cartilha que incentiva a sexualização de crianças é falsa. Além de o material apresentar erros crassos (tanto de coerência como de referências) que dificultam a tese de que seja algo feito por profissionais de educação, não há qualquer registro da tal cartilha e do curso nos repositórios da prefeitura, que negou a informação.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.