Boato – Professora da USP descobre que anticoagulante é a cura para o novo coronavírus e tratamento tem 100% de eficácia.
Desde que começamos o Boatos.org, algumas histórias icônicas se transformaram em threads (linhas de pensamento ou discussão) que perduraram por anos (ou ainda perduram). É o caso da história da jovem Ashley Flores que supostamente estaria perdida.
Em tempos de pandemia, parece que temos fortes concorrentes para galgar um espaço na história do Boatos.org. Um deles já se tornou assunto recorrente por aqui: o caso da Covid-19 como doença do sistema circulatório e o uso do anticoagulante para curar o problema.
E ao que tudo indica, estamos longe de acabar com essa discussão. Nos últimos dias, uma história ganhou destaque nas redes sociais. De acordo com publicações, o Brasil teria descoberto que anticoagulantes são a cura do novo coronavírus. A história começou a circular após o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e o Hospital Sírio Libanês anunciarem um tratamento experimental com anticoagulantes em pacientes graves com Covid-19. As mensagens dão conta que os pesquisadores brasileiros teriam encontrado a cura da Covid-19 e que o tratamento teria 100% de eficácia. Confira:
Versão 1: “CORONAVÍRUS TEM CURA COM ANTICOAGULANTES”. Versão 2: “coronavírus tem cura nasce a luz no fim do tunel. Sucesso Brasil Covid-19 tem cura!!!!!!!!!!”. Versão 3: “Professora da USP descobre tratamento para COVID-19 (Cura de Coronavirus é Brasileira)Anticoagulante”. Versão 4: “Graças a Deus um novo método de tratamento foi descoberto e vem se mostrando 100% de eficácia contra a COVID-19!”. Versão 5: “Coronavirus pode ter cura! Uma luz no fim do túnel – Tratamento com anticoagulantes em hospitais SP”.
Brasil descobre que anticoagulantes são cura do novo coronavírus?
Novamente, a história volta a circular nas redes sociais com alguns detalhes diferentes. Infelizmente, a publicação viralizou nas redes sociais e acabou desinformando muita gente. Será que o Brasil realmente encontrou a cura para o novo coronavírus com o uso de anticoagulantes? A resposta é um sonoro não!
Vamos aos detalhes! Assim como dito em outros desmentidos sobre o mesmo assunto, o histórico sobre a cura da Covid-19 só aumenta. Nesses casos, o que normalmente ocorre é o uso de um estudo científico, ainda em andamento, com dados falsos. Depois disso, alguém sai por aí afirmando que o medicamento analisado é a cura para a doença. Aqui no Boatos.org já desmentimos algumas dessas histórias, como a que falava sobre a cloroquina e hidroxicloroquina, a ivermectina e a nitazoxanida (Annita).
Pois bem, assim como nos casos citados acima, a história de hoje também menciona um estudo científico. A pesquisa em questão está sendo realizada no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo (SP), em uma parceria entre o hospital e pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com os pesquisadores envolvidos no estudo, patologistas de São Paulo identificaram um padrão nas vítimas de Covid-19 no estado. Segundo Paulo Saldiva, coordenador do grupo que realiza as autópsias e professor da Faculdade de Medicina da USP, as análises mostraram que as vítimas possuíam pequenos coágulos nos vasos sanguíneos em todo o corpo.
Com essas informações, a pneumologista Elnara Marcia Negri, médica do Hospital Sírio Libanês e professora da Faculdade de Medicina da USP, conseguiu autorização do hospital para realizar o tratamento experimental em pacientes graves acometidos pela Covid-19.
O uso do medicamento tem como objetivo diminuir a ação de coagulação que ocorre no corpo após a infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Os pesquisadores descobriram que, para contaminar o organismo, o SARS-CoV-2 quebra barreiras celulares. Quando isso ocorre, o organismo, como forma de proteção, desencadeia uma resposta imune. Porém, em alguns casos, essa resposta “perde o controle”, gerando uma resposta desproporcional. Os cientistas chamam isso de “tempestade de citocina”.
As citocinas são proteínas secretadas pelas nossas células e que afetam o comportamento das células vizinhas. Elas são produzidas durante o acionamento do sistema imunológico, regulando a resposta inflamatória e imunitária. Uma de suas funções é regular a duração e intensidade de respostas específicas, como a resposta inflamatória para defender o organismo do ataque do vírus.
Os cientistas descobriram que pacientes graves acometidos pela Covid-19 acabam desenvolvendo a “tempestade de citocina”, isto é, uma hiperinflamação. Com a quantidade enorme de citocinas no sangue (uma alteração bioquímica) o organismo começa a desenvolver coágulos como uma forma de controlar a lesão causada pelo vírus, tentar isolar e destruir o microorganismo e ativar o processo de reparação das células para restaurar o equilíbrio.
Dessa forma, os médicos estão usando o anticoagulante para tentar equilibrar o processo de coagulação decorrente da hiperinflamação. Até o momento, eles observaram bons resultados, mas ressaltam: ainda é cedo para concluir qualquer coisa! De acordo com eles, o estudo está em fase de observação e ainda tem bastante chão pela frente.
Os pesquisadores chegaram a publicar um preprint (isto é, um artigo que ainda não foi publicado em uma revista científica com revisão por pares, o que caracteriza a validade de uma informação científica) detalhando as observações. Além disso, a pneumologista Elnara Marcia Negri, uma das responsáveis pela pesquisa, afirmou que o tratamento não é a cura da Covid-19, uma vez que não ataca diretamente o vírus, mas sim um tratamento das complicações causadas pelo SARS-CoV-2.
Vale ressaltar que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) não está usando o termo “cura”, mas sim recuperação. De acordo com a OMS, ainda existem questões importantes em aberto que impossibilitam se falar em uma cura, como a re-infecção de alguns pacientes.
Por fim, mas não menos importante, nem pense em usar anticoagulantes de maneira indevida. A automedicação é perigosa! Medicamentos do tipo anticoagulante não devem ser ministrados sem orientação, uma vez que podem levar à morte. O uso dos anticoagulantes é monitorado, porque exames precisam ser feitos com certa frequência para ajuste de dose e pela interferência do remédio com outros medicamentos e até mesmo com a alimentação. Dentre os efeitos colaterais, um dos mais perigosos é a hemorragia. Dessa forma, a automedicação não é recomendada em nenhuma hipótese.
Em resumo: a história que diz que o Brasil encontrou a cura para o novo coronavírus é falsa! A pesquisa sobre o uso de anticoagulantes no tratamento dos sintomas da Covid-19, de fato, existe e está indo muito bem, obrigada! Porém, de maneira alguma, o estudo pode ser caracterizado como a cura da doença. Primeiro, porque ele está em fase de observação e ainda não tem experimentos em larga escala e nem um artigo publicado em revista científica revisada por pares. Segundo, porque a própria responsável pela pesquisa já disse que não se pode afirmar que o uso de anticoagulantes é a cura para a Covid-19. Isso porque o uso do medicamento é um tratamento para uma das consequências causadas pelo SARS-CoV-2. Precisamos sim enaltecer o trabalho da USP e dos médicos do Hospital Sírio Libanês (valeu, gente!), mas dizer que eles encontraram a cura, além de equivocado, é fake news. Não compartilhe, lembre de lavar as mãos com frequência e, se possível, permaneça em casa!
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61) 99177-9164.
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