Boato – Alta no preço do arroz em 2020 é culpa do ex-presidente Lula, que expulsou arrozeiros da Raposa Serra do Sol, em 2008.
Eu sempre fui uma defensora do aprendizado básico para a vida. Que além das disciplinas obrigatórias que são ensinadas na escola, também haja um espaço para o aprendizado de questões básicas para uma boa convivência em sociedade, como aprender o que dizem as leis brasileiras, os direitos e deveres de cada cidadão, aulas de economia básica etc.
Em tempos de fake news, informações como essa poderiam evitar (e muito) a distribuição de conteúdos falsos. Exemplo disso é a história de hoje. De acordo com uma publicação que está circulando nas redes sociais, a alta no preço do arroz em 2020 teria ocorrido por conta da assinatura da demarcação de terras da Raposa Serra do Sol, em 2008 (2009), feita por Lula.
Segundo o texto, a expulsão de arrozeiros da terra indígena Raposa Serra do Sol teve o aval do Supremo Tribunal Federal (STF) e acabou com a produção de “milhões de toneladas de arroz”, carne e a exploração de minérios. O texto aponta que a expulsão teria acontecido sem um mandado de segurança. Ainda de acordo com um vídeo que acompanha a publicação, Lula teria concedido cerca de 2 milhões de hectares aos indígenas para que contrabandistas pudessem explorar a região. Confira:
Versão 1: “Arroz tá caro?? Olha o que o PT(Lula) fez!!?”. Versão 2: “Lula em 2008 + STF expulsaram arrozeiros de Roraima que produziam milhares de toneladas de arroz! Agora Bolsonaro leva a culpa!”. Versão 3: “Olha do porque o arroz está caro,o safado embusteiro cachaceiro comunista do Lula junto com o STF expulsaram famílias da raposa terra do sol em Roraima com mais de 100 anos de títulos de terras,dizendo que era terras indígenas !!!”.
Arroz subiu em 2020 porque Lula assinou demarcação da Raposa Serra do Sol em 2008?
A informação causou um verdadeiro rebuliço nas redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp. Apesar disso, a história que fala sobre “culpa de Lula” pela alta no preço de arroz não se sustenta.
Basta ler as publicações ou assistir 30 segundos de qualquer vídeo sobre o assunto para perceber que a história é, no mínimo, estranha. Ao contrário do que aponta as publicações, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não ocorreu em 2008 e muito menos em 2009. A “canetada” aconteceu em 2005. Ou seja, há 15 anos! Se a demarcação das terras tivesse causado um impacto significativo na produção de arroz no país, isso não seria sentido muito antes de 2020?
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produção de arroz no Brasil não variou de forma abrupta nos últimos anos. Segundo os dados disponíveis no site da instituição, o mês de agosto, geralmente, registra uma produção média de 11 milhões de toneladas do cereal. No ano de 2020, inclusive, a produção de arroz teve um aumento de 6,7% em relação a 2019, com 11,2 milhões de toneladas.
Ao analisarmos a “perda de produtividade gigantesca” por conta da demarcação de terras indígenas na região, descobrimos que a hipótese não se sustenta. Em 2010, um ano após a retirada dos arrozeiros da região, a queda de produção foi de 50 mil toneladas. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), apesar da diminuição da área produtiva, a produtividade por hectare aumentou (e muito). Na safra 2008/2009, antes da retirada dos arrozeiros da Raposa Serra do Sol, a produtividade era de 5.505 por hectare. Já na safra 2019/2020, a previsão feita em janeiro de 2020 é de 7.042 toneladas por hectare, uma das maiores do país (ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Sergipe).
Além disso, a coisa não para por aí. A questão envolvendo a demarcação de terras indígenas na Raposa Serra do Sol é muito mais complexa do que uma “canetada do Lula”. De acordo com o Ministério da Justiça, todo o processo de demarcação da reserva começou ainda nos anos 1970, com a indenização e reassentamento de grande parte das pessoas que ocupavam a área. Entretanto, no início dos anos 1990, um pequeno grupo de arrozeiros se instalaram na região, ampliando sua área de produção de forma irregular, uma vez que as terras pertenciam à União. Em 1998, o Ministério da Justiça publicou uma Portaria que declarava como “posse permanente indígena” a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A partir daí, muita água rolou e a ação do Ministério da Justiça chegou a ser questionada juridicamente. A decisão, entretanto, só veio em 2009, quando o STF decidiu pela contínua demarcação da Terra Índigena e a retirada dos não-indígenas da região. Ou seja, a decisão começou no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), se estendeu pelo governo Lula e terminou com o STF.
Após toda a polêmica, o Partido dos Trabalhadores (PT) se pronunciou sobre o assunto. De acordo com o partido, a alta do preço do arroz em 2020 não possui nenhuma ligação com o ex-presidente Lula. O partido também destacou o histórico conturbado da demarcação da área indígena e ainda soltou críticas contra os disseminadores de fake news.
Sobe o preço do arroz em 2020 e as mentiras dizem que Lula é o culpado. Circula nas redes um vídeo em que um produto aponta como causa do aumento do preço do arroz a defesa que Lula fez das terras indígenas. É mais uma peça de desinformação. A devolução da reserva Raposa Serra do Sol para os indígenas nada tem a ver com a crise que vivemos hoje. O reconhecimento dessa terra indígena em Roraima durou anos e custou vidas. Ela primeiramente foi identificada pela Funai em 1993. Depois, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, foi demarcada. Por fim, em 2005, foi efetivamente homologada com Lula. A decisão foi contestada no STF mas se decidiu que a demarcação era constitucional. O vídeo, portanto, já desinforma ao insinuar que se tratou de uma decisão autoritária de Lula.
O produtor entrevistado no vídeo afirma o arroz está caro porque, em 2008, Lula “colocou um cocar na cabeça e retirou de lá produtores de arroz”. Ele se refere à expulsão de grandes arrozeiros que ocupavam ilegalmente a reserva. Conforme o sociólogo e especialista em Relações Internacionais Marcelo Zero, isso causou a redução de 120 mil toneladas para 73 mil toneladas. Essa redução inferior a 50 mil toneladas é mínima perto das 11 milhões de toneladas produzidas no Brasil. A diferença é incapaz de provocar a crise atual, ainda mais considerando-se que isso ocorreu há mais de dez anos.
Ao buscarmos por mais informações sobre as possíveis causas da alta do preço do arroz, não encontramos nenhuma menção ao acontecimento. O maior problema gira em torno do aumento do valor do dólar. O dólar afeta diretamente os commodities, isto é, os produtos vendidos internacionalmente, como o arroz, a soja e o trigo. Com o dólar mais alto, vender grãos no exterior passou a render mais. Por conta disso, o produtor tenta fazer com que o produto vendido dentro do país acompanhe a alta, para compensar a de perda que ele teria vendendo para o Brasil em vez do exterior (onde venderia em dólar e teria um lucro maior). Se isso não bastasse, a alta no valor da gasolina e outros serviços também afeta a distribuição do produto no país, podendo encarecer os produtos, uma vez que o setor agroindustrial depende fortemente desses serviços, como o transporte.
Além disso, vale ressaltar, que estamos em um período de entressafra (o período de intervalo entre uma colheita e outra), o que diminui a oferta. De acordo com a Conab, outro fator que pode explicar o aumento do preço do arroz é a diminuição da área plantada do cereal, por conta da baixa rentabilidade nos últimos anos.
Em resumo: a história que diz que a alta no preço do arroz ocorreu por conta da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, feita por Lula, em 2008 é falsa! Uma coisa não tem nada a ver com outra. Apesar do estado de Roraima ter diminuído a área de produção de arroz, a produtividade por hectare aumentou (e coloca o estado dentre os mais produtivos por hectare no país). Além disso, o grupo de arrozeiros retirados da região após a demarcação ocupou a área de forma irregular. Vale ressaltar que o processo de demarcação dessa área começou nos anos 1970, foi determinado por uma Portaria no governo FHC, se estendeu pelo governo Lula e terminou nas mãos do STF, que concedeu o direito da terra aos indígenas e decidiu pela retirada dos não-indígenas da região. Por fim, a alta do preço do arroz não tem nada a ver com isso, mas sim com a variação do dólar e uma especulação dos grandes produtores.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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