Boato – Comer lentilha pode curar depressão, ansiedade, bipolaridade e todo tipo de vício porque é o alimento que mais tem lítio.
Desde cedo, a gente aprende que precisa ter cuidado com a saúde. Cuidado com o que a gente come, bebe, também com os exercícios físicos e até mesmo com soluções milagrosas que, apesar do nome, não têm nada de saudável.
Isso porque o nosso corpo é uma caixinha muito sensível. Hábitos ruins e prejudiciais à saúde podem causar grandes problemas, como transtornos e doenças. Por isso, o cuidado com o corpo é tão importante.
Nos últimos dias, entretanto, uma história absurda andou fazendo sucesso nas redes sociais. De acordo com o vídeo que acompanha a publicação, comer lentilha seria o suficiente para curar doenças como depressão, ansiedade, bipolaridade, esquizofrenia, obesidade e todo tipo de vício. Confira:
Confira o desmentido em vídeo:
Versão 1: “Lentilha contém LÍTIO: E ótimo para depressão e compulsao – vicios em geral”. Versão 2: “O gigantesco Poder Curativo da Lentilha. Depressão. Ansiedade. Obesidade. Esquizofrenia. Bipolaridade. Todas as formas de vícios. Sem nenhum efeito Colateral”. Versão 3: “LENTILHA PRA ANSIEDADE/STRESS DEPRESSÃO. Essa dica da lentilha é mto Boa pra ansiedade / stress/ depressão e o mais prático é que você NÃO precisa cozinhar a lentilha basta apenas deixar ela de molho 8 horas na agua ( sem temperos)e ela já fica super macia dá para usar em: vitaminas de frutas, sopas, saladas, tortas etc. fica muito bom Super indico obrigado”.
Lentilha cura depressão e ansiedade porque é o alimento que mais tem lítio?
A informação tem feito sucesso nas redes sociais, em especial, no Facebook e no WhatsApp. As publicações já somam centenas de compartilhamentos. Apesar disso, a história, nem de longe, é real.
Ao olhar para a publicação, percebemos que ela apresenta diversas características de fake news na internet, como o caráter vago, bastante alarmista, os erros de português e a falta de fontes confiáveis.
Infelizmente, essa história de que alimentos podem curar isso ou aquilo não são novidade na internet. A equipe do Boatos.org já desmentiu inúmeras delas, como a que dizia que as cascas da laranja e do limão poderia curar a Covid-19. Também a que indicava que o alho assado poderia curar e prevenir o câncer e, por fim, a que apontava que a banana seria capaz de curar a depressão e uma série de doenças.
De fato, a lentilha é um alimento bastante saudável e rico em diversos nutrientes. A lentilha contém um alto percentual de proteína e ferro, sendo muito utilizado em dietas vegetarianas e veganas para substituir a proteína animal (carne, ovos etc). Bastante apreciada nas festas de final de ano (por estar associada à ideia de prosperidade), o alimento ainda pode ajudar a diminuir o colesterol e até a reduzir os sintomas da TPM.
Apesar disso, assim como no caso de outros alimentos, o consumo excessivo da lentilha também pode trazer problemas, como excesso de gases e inchaço abdominal. Além disso, pessoas que possuem alergia ao alimento, Síndrome do Intestino Irritável (SII) e gota também devem evitar o consumo.
Assim como já repetimos em diversas outras matérias, transtornos mentais são sérios e requerem acompanhamento médico. Ou seja, precisam de um diagnóstico feito por um profissional e, se o médico julgar necessário, um tratamento com medicações. Os alimentos estão aí para nos ajudar a ter uma vida saudável e colaborar no que é possível. Entretanto, transtornos mentais não são curados ou tratados com alimentos. Em muitos casos, o uso de medicações são imprescindíveis para uma melhora do quadro. Não procurar um médico e se “automedicar” com alimentos não só faz mal para saúde como também ajuda a manter o estigma em torno das doenças mentais.
Dito isso, precisamos explicar algumas coisinhas básicas. O lítio é um elemento que não está presente, de forma livre, na natureza. Isso ocorre por conta de sua reatividade. Por conta disso, o lítio, geralmente, é encontrado na forma de composto químico, em diversos minerais. Inclusive, nos alimentos.
Dessa forma, a lentilha não é o único alimento que possui lítio. A propósito, ao contrário do que diz o vídeo, nem o alimento que mais o contém. Nessa batalha, pimentão e batata saem na frente. Eles são os alimentos com a maior concentração de lítio, respectivamente.
Além disso, ao contrário do que apontam as imagens, os seres humanos não possuem lítio, de forma livre no organismo. Ou seja, nem a depressão, nem a ansiedade, nem a bipolaridade, nem a esquizofrenia e muito menos os vícios são causados por “falta de lítio no cérebro”. E mesmo que causasse, a quantidade de lítio presente nos alimentos é tão insignificante que não seria suficiente para curar e sequer tratar qualquer distúrbio mental. Para se ter um comparativo, em geral, uma pessoa em tratamento de manutenção com carbonato de lítio ingere uma dosagem diária entre 900mg e 1200mg.
Se isso não fosse suficiente, o lítio é sim extremamente útil para o tratamento de algumas doenças (servindo como um estabilizador de humor), mas não todas. No mundo médico, o carbonato de lítio é usado para o tratamento do transtorno bipolar e como potencializador de antidepressivos em alguns quadros de depressão persistente. Para outros distúrbios, o lítio não possui funcionalidade e, pode, inclusive, trazer malefícios.
Vale ressaltar que o lítio é um elemento bastante tóxico quando consumido em grandes quantidades. Dessa forma, quando uma pessoa inicia o tratamento com carbonato de lítio, ela precisa passar por uma bateria de exames recorrentes (a cada 3 ou 4 meses). Dentre os exames, está a litemia. Ele é um exame que detecta a concentração de lítio no organismo do paciente. O carbonato de lítio só cumpre sua função como medicamento quando está acima de uma dosagem específica. Porém, a linha entre a dosagem terapêutica e a intoxicação é bastante tênue. Em casos de transtorno bipolar, a concentração de lítio precisa estar acima de 0,8 mEq/L e, geralmente, não ultrapassar o 1,2 mEq/L (porém, em alguns quadros, uma concentração próxima de 1,5 mEq/L é necessária). Por isso, a litemia é tão importante. Se uma pessoa que não ingere carbonato de lítio se submeter ao exame de litemia, o resultado será zerado (ou seja, indetectável).
Em resumo: a história que diz que a lentilha seria capaz de curar a depressão, ansiedade e outros vícios é falsa! Essa história de que alimentos podem curar determinadas doenças já circula há algum tempo. Nesse caso, todas as informações citadas nas publicações estão equivocadas. Ninguém possui lítio livremente no organismo e, por isso, essas doenças não são causadas por “falta de lítio no cérebro” (se isso ocorresse, todo mundo teria transtorno bipolar). Além disso, o carbonato de lítio é um estabilizador de humor (é utilizado no tratamento de transtorno bipolar e em casos de depressão resistentes) e não serve para tratar ansiedade, obesidade ou outros vícios. Por fim, a lentilha, de fato, possui lítio, mas em quantidades tão insignificantes que seria impossível tratar qualquer coisa. Ou seja, a história não passa de balela. Não compartilhe!
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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