Boato – Cidades estão sem mortes por Covid-19 há 30 dias por causa do tratamento precoce. Uma lista mostra todos os municípios que adotaram o “Kit Covid” preventivo.
Em novo pronunciamento no dia 23 de março, o presidente Jair Bolsonaro voltou a citar o tratamento precoce no enfrentamento à Covid-19, tema este que vem gerando vários debates nas redes sociais e dividindo a opinião dos internautas. Enquanto isso, autoridades mundiais de saúde temem as consequências da batalha entre a ciência e a política – e as “pontes” ou “abismos” que se pode construir entre elas.
Sobre isso, uma publicação que começou a circular fortemente na web nos últimos dias dá conta de que várias cidades estão supostamente sem mortes por Covid-19 há 30 dias por causa do polêmico tratamento precoce. A postagem traz uma lista com uma média de 15 municípios que teriam adotado o “Kit Covid” e conseguido frear os óbitos pela doença por um mês, além dos links para supostas matérias jornalísticas informando a adoção do tratamento precoce e os bons resultados nestas cidades. Confira, a seguir, o texto original da publicação que está rodando online:
Municípios que estão SEM MORTES a MAIS DE 30 dias por causa do tratamento precoce: Itajubá, Patos de Minas, Ipatinga, São Lourenço, Governador Valadares em MG; Maxaranguape em RN; Porto Seguro/BA; Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul, Taquara, Gramado em RS; Sorocaba, Engenheiro Coelho, Porto Feliz em SP; Itajaí, Rancho Queimado em SC; BÚZIOS em RJ; São Pedro dos Crentes em MA. CIDADES DO BRASIL QUE ADOTARAM O TRATAMENTO PRECOCE e PREVENTIVO
Cidades estão sem mortes por Covid-19 há 30 dias por causa de tratamento precoce?
A publicação viralizou rapidamente e encheu muita gente de expectativas em relação ao tratamento precoce contra a Covid-19. No entanto, a informação não procede.
E desconfiamos disso, para começar, por conta do histórico recente de boatos sobre o tal tratamento precoce, que só crescem na internet. Inclusive, nós já desmentimos vários bem parecidos aqui no Boatos.org, como o que dizia, por exemplo, que Maxaranguape teria zerado óbitos e internações por Covid-19 com tratamento precoce e ivermectina, assim como a cidade de Rancho Queimado (SC) teria zero mortes por Covid-19, além de outro que apontava que a Associação Brasileira de Infectologia (ABI) teria obrigado médicos a assinar termo para não receitarem “tratamento precoce”.
Além disso, como já explicamos algumas vezes por aqui, outra evidência que aponta para a falta de veracidade da nossa história de hoje é que não há qualquer comprovação científica de que o tal tratamento precoce contra a Covid-19 realmente funcione. Isso porque vários estudos já mostraram que os medicamentos utilizados no chamado “Kit Covid” que está sendo distribuído à população em alguns locais, como é o caso da cloroquina, ivermectina e azitramicina, não possuem eficácia comprovada no tratamento ou cura da doença e muito menos prevenção da contaminação pelo vírus.
Prova disso é que vários órgãos de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), divulgaram recomendações para evitar o uso do fármaco em casos da doença, devido à “pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com COVID-19 hospitalizados quando comparados ao tratamento padrão”.
Da mesma forma, sobre a ivermectina, um estudo realizado por pesquisadores da Monash University (da Austrália) até chegou a apontar eficácia do medicamento em testes in vitro, fazendo com que, após a descontinuação dos testes com a cloroquina por parte da OMS, a ivermectina virasse a nova candidata à “cura” da Covid-19. Porém, o remédio sequer chegou a passar nos testes clínicos do estudo (fases I, II e III), que são obrigatórios para verificar a segurança e eficácia de qualquer medicamento (falamos mais sobre isso na nossa série A Semana em Fakes #05).
E no caso do nosso desmentido de hoje, ao contrário do que aponta a mensagem da publicação, as cidades citadas não estão sem mortes há 30 dias. No site SUS Analítico, do Governo Federal, é possível conferir os dados recentes de casos e óbitos pela doença em cada uma delas, que não estão “zerados”, como aponta a postagem. A seguir, reunimos os números de mortes do último dia e média móvel de 14 dias nos municípios mencionados:
- Itajubá = 8 (média móvel de 4,93);
- Patos de Minas = 2 (média móvel de 2,57);
- Ipatinga = 9 (média móvel de 1,71)
- São Lourenço = 0, mas tem média de 0,57 (contamos 14 mortes em 30 dias);
- Governador Valadares = 6 (média móvel de 3,9);
- Maxaranguape = 0 e 0,07 (contamos 1 morte);
- Porto Seguro/BA = 1 (média móvel de 0,79);
- Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul (pegamos a maior cidade da região) = 2 (média móvel de 1,43);
- Taquara = 12 (média móvel de 2,14);
- Gramado = 3 (média móvel de 1,93);
- Sorocaba = 12 (média móvel de 12,1);
- Engenheiro Coelho = 0 e 0,36 (contamos 6 mortes em 30 dias);
- Porto Feliz = 2 (média móvel de 0,36);
- Itajaí = 4 (média móvel de 3,93);
- Búzios = 0 e 0,07 (contamos 5 mortes 5 em 30 dias).
De todas as cidades listadas na publicação, somente Rancho Queimado (SC) e São Pedro dos Crentes (MA) não tiveram mortes por Covid-19. Porém, não tem nada a ver com o tratamento precoce.
Como explicamos em outro post, em Rancho Queimado, por exemplo, se compararmos o número de casos do município aos das cidades limítrofes (Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Leoberto Leal e São Pedro de Alcântara) é possível constatar que Rancho Queimado é a que tem maior número de casos e óbitos de Covid-19, considerando a média da população, já que se trata de uma cidade pequena. O mesmo se aplica ao caso do município maranhense de São Pedro dos Crentes, que é pequeno, com uma população de apenas 4 mil habitantes. Ou seja, não dá para comparar.
Resumindo: A publicação que dá conta de que cidades estão sem mortes por Covid-19 há 30 dias por causa do tratamento precoce não é verdadeira. Todos os municípios listados na postagem (com pequenas exceções) não estão com mortes “zeradas”, como é possível conferir no site SUS Analítico, do Governo Federal.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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