Será que o Senado, como falam alguns desmentidos, nunca discutiu novas regras ortográficas na língua portuguesa? Entenda o caso.
No mês de agosto de 2014, uma discussão começou a tomar as redes sociais e deixou professores de língua portuguesa de cabelo em pé. Notícias dando conta de que o Senado estudava mudanças na ortografia para facilitar o aprendizado começaram a circular na web. De acordo com os textos, estava sendo estudado, entre outras coisas, o fim do Ç, CH e SS.
Claro, não demorou muito para a sugestão de pauta chegar ao Boatos.org. Por meio do Fórum do Boatos.org (para acessar o link tem que entrar no Fórum), a leitora e amiga Helena Goto apontou para uma postagem no Facebook que falava sobre o assunto. Ela queria saber até que ponto a história era verdadeira.
Pesquisei e encontrei indícios que apontavam para a veracidade da história. O primeiro deles era o da página do senador Cyro Miranda que falava do projeto (o link foi apagado, mas pode ser acessado aqui). Também encontrei um link da Agência Senado dando conta do relato do projeto.
Checando os dados, vi que o professor Ernani Pimentel, que defende há muitos anos mudanças na língua portuguesa, realmente faz parte de um GTT (Grupo de Trabalho Técnico) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado.
Para mim, já era informação suficiente para ver que não se tratava de um boato e não cabia para o Boatos.org. Porém, achei o tema tão interessante e passível de debate que sugeri ao UOL (site que eventualmente colaboro) uma matéria sobre o assunto.
E depois de entrar em contato com o professor Ernani Pimentel (e conversar por cerca de uma hora e meia) com a assessoria de Cyro Miranda (que é presidente da Comissão no Senado) e com outros professores, fiz a matéria. O texto causou tanta polêmica que obteve mais de 800 comentários. A grande maioria criticando a medida.
E aí começaram as controvérsias. Primeiro, o senador Cyro Miranda apontou que toda a história de mudanças na língua portuguesa era falsa. No próprio UOL, o título da matéria acabou sendo alterado de “Senado discute fim do “ç”, “ch” e “ss” na língua portuguesa” para “Professor propõe fim do “ç”, “ch” e “ss” na língua portuguesa”.
Outros sites começaram a dar os desmentidos e Thaís Nicoleti, que é consultora de língua portuguesa da Folha e do UOL, começou a conversar sobre o assunto comigo. Para explicar a história a ela e a você que leu notícias e desmentidos, saiba o que é verdade e boato na história.
Mas, no fim, o que é verdade e mentira na história?
O primeiro ponto é que foi, sim, discutidas mudanças na língua portuguesa no Senado. Elas foram conversadas dentro do GT que trata do Acordo Ortográfico entre os países lusófonos. As matérias divulgadas pelo próprio Senado endossam isso. Esse vídeo de um programa da TV Senado também fala do assunto:
Por algum motivo, Cyro Miranda (que concorre a suplente de senador em Goiás) e Ana Amélia Lemos (candidata a governadora no Rio Grande do Sul) começaram a negar a veementemente qualquer discussão a respeito do assunto. Na reunião do dia 2 de setembro, o assunto foi tratado na comissão (o tema pode ser encontrado no trecho de 11h22). Durante a reunião, o senador Cristovam Buarque falou que é preciso não ter medo da discussão sobre o assunto.
Houve, de fato, discussão no Senado sobre o assunto (mesmo que neguem). Mas isso não significa que há projeto da lei querendo mudanças. A conversa estava muito na gênese estourou na mídia. Tanto que ainda está aceitando sugestões (seja de novas ou de nenhuma mudança).
Para virar um projeto, teria que ser discutido, apresentados formalmente (algo que ainda não foi feito) passar pela Comissão de Educação. E a disposição dos senadores depois que o assunto estourou demonstra que a história deve ser engavetada.
É importante também apontar para o fato de que, mesmo que passasse na Comissão de Educação do Senado, qualquer mudança levaria muito tempo chegar na prática. Além da tramitação no Congresso, qualquer acordo dependeria de aceitação pelos países de língua portuguesa.
Resumindo: não é nem oito nem oitenta. Nem o Senado está a ponto de aprovar nada (e como eu disse, não deve aprovar), nem nunca tocou no assunto (como estão tentando fazer alguns senadores). Nessa história, a informação falsa estava no desmentido do boato.