Boato – Por causa de decisão judicial, a Uber vai deixar o Brasil para não pagar multa bilionária.
Análise
Há alguns dias, uma decisão judicial chamou atenção do noticiário. A 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a uma multa de R$ 1 bilhão e obrigou a empresa a contratar todos os motoristas do aplicativo.
A história chamou atenção na mídia e também caiu como uma bomba nas redes sociais. Não demorou muito para diversos influenciadores apontarem que, por causa da decisão, a Uber iria deixar o Brasil. Mais do que isso: muitos apontavam que a culpa disso seria do governo federal e de Lula. Leia algumas das mensagens que circulam na internet:
Versão 1: UBER VAI ACABAR NO BRASIL ASSINAR CARTEIRA DE 1 MILHAO E 600 MIL MOTORISTSD? E PAGSR MULTA DE UM BILHAO ? SO O DESGOVERNO P Versão 2: Vocês gostavam do Uber? Infelizmente o governo do amor vai acabar com a plataforma no Brasil, tirando o trabalho de 700 mil motoristas. Próximo alvo é o iFood
Não é a primeira vez que boatos como este circulam na internet. O Boatos.org teve que desmentir a história em novembro de 2022 (quando era dito que isso ocorreria porque Lula foi eleito) e em fevereiro de 2023 (quando era que a decisão se deu por causa de uma fala de Lula).
Checagem
Na parte da checagem do conteúdo, vamos responder às seguintes questões: 1) É verdade que a Uber vai acabar no Brasil por conta da decisão judicial em questão? 2) O que a Uber fala sobre o assunto? 3) O governo tem alguma relação com a decisão da Justiça?
É verdade que a Uber vai acabar no Brasil por conta da decisão judicial em questão?
Não é verdade. Na realidade, o que ocorre são “exercícios de futurologia” sem muito fundamento. Em nenhum momento, a empresa falou que vai deixar o país após o revés na Justiça (até porque foi uma decisão monocrática e de 1ª Instância, ou seja, completamente reversível). Todas as denúncias surgiram entre publicações de caráter opinativo e/ou sensacionalista.
O que a Uber fala sobre o assunto?
A Uber apontou que vai seguir os trâmites da Justiça para recorrer. Mais do que isso: ela apontou que há jurisprudência favorável em instâncias superiores. Em nota divulgada após a decisão da Justiça de São Paulo, a empresa não falou em “deixar o Brasil”. Leia a nota:
A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados. Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão foi oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor abertas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo. A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.
A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e se baseou, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto Nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho “com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas”, incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma. O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 4ª Turma do TST considerou que motoristas podem “escolher, livremente, quando oferecer seus serviço, sem nenhuma exigência de trabalho mínimo”, o que deixa claro que há “práticas no modelo de negócios das plataformas online que distinguem bastante os serviços realizados por meio delas das formas de trabalho regulamentadas pela CLT”.
Também o STJ, desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”. Recentemente, o STF negou a existência de vínculo e revogou duas decisões de Minas Gerais, declarando que uma delas “desrespeitou o entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT”, e que a outra “destoa da jurisprudência do Supremo no sentido da permissão constitucional de formas alternativas à relação de emprego”.
O governo tem alguma relação com a decisão da Justiça?
Apesar de muita gente estar citando o governo atual como um “possível pivô” da saída da Uber do Brasil (algo improvável de ocorrer), não há qualquer relação entre a decisão da Justiça e o governo Lula. No Brasil, estamos sob um sistema de separação de poderes. Logo, é possível ver que, em teoria, o governo não influencia no Judiciário.
Conclusão
Boato sem comprovação 👎
As mensagens que apontam que a Uber deve deixar o Brasil após decisão desfavorável na Justiça não passam de uma série de boatos sem comprovação. A empresa não falou nisso publicamente e a decisão em questão, a priori, parece ser totalmente reversível.
Ps: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo e-mail [email protected] e WhatsApp (link aqui: https://wa.me/556192755610)
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