Boato – Duas mulheres se disfarçam de “crentes” e utilizam “óleo do apagão”, que causa desmaio, para sequestrar crianças. Compartilhe foto.
Os tempos são sombrios na internet. Não dá para resumir de forma mais otimista ou menos amarga. Todo dia, nós no Boatos.org tentamos não levar um “7×1” das fake news e ajudar esclarecendo as mentiras da web, mas a coisa não é tão simples assim.
Depois de anos de site, nós identificamos centenas de padrões em mensagens e histórias falsas. E temos tentado compartilhar esses padrões para que outras pessoas os percebam também. No entanto e infelizmente, ainda há milhares de pessoas que conseguem perceber ou ignoram esses padrões.
A história de hoje é grave, séria, e (choquem) não tem a ver com política. Estamos às vésperas da eleição presidencial e a imprensa a todo segundo reforça a importância de que os eleitores não acreditem ou compartilhem notícias falsas sobre o tema. Acontece que existe um leque quase infinito de outros assuntos para os quais também devemos estar atentos, como por exemplo, a segurança de pessoas inocentes.
Ah, mas como assim? Do que é que vocês estão falando? Nós explicamos. No “caso de hoje”, um áudio está fazendo um verdadeiro estrago na vida de duas mulheres. Segundo a mensagem que massivamente tem sido compartilhada no WhatsApp junto com uma foto de duas mulheres desconhecidas, diz-se que elas estão utilizando “óleo do apagão” para sequestrar crianças e tirar os órgãos. De acordo com a mensagem, elas usam o óleo nas mães e depois que esta apaga (desmaia) levam a criança embora. Confira a transcrição do áudio:
Olha tu se orienta aí que duas mulher andando no carro, minha filha. Essa duas bença, mandada não sei por quem, pelo Satanás, pelo capeta, elas tá andando com óleo aí ela chega perto e você, pede pra colocar na sua mão, diz que esse óleo serve pra muitas dores, serve pra muita coisa. Aí ela enche sua mão de óleo, manda você esfregar uma mão na outra, quando você esfrega e pede para você cheirar. Aí, no que você cheira, ali você se apaga, aí a outra sai do carro, pega sua criança desaparece, viu. Tu avisa aí tuas colegas aí, avisa aí, passa esse fax aí para as professoras avisar as mãe quando vim buscar as crianças, porque se chegar uma mulher perto dessas mãe pedindo pra cheirar esse óleo, não cheire porque esse óleo é o óleo do apagão. Ali a mãe se apaga e a outra ladrona vem roubar seu filho, viu. Tu avisa aí na escola as professoras para avisar as mães quando vim pegar os filhos. Isso aconteceu aqui em Nazaré da Mata ontem, ali em frente a praça da Catedral, ontem viu. A Márcia me disse, agora uma das sobrinhas do Luizinho também mandou no grupo da família no Zap. Avisa aí as professora para dizer aí as mães quando vim pegar os filhos na escola que se oriente com essas duas mulher que tá andando no carro.
Mulheres usam óleo do apagão para sequestrar crianças e tirar órgãos?
Essa história é tão absurda que não vamos usar de rodeios hoje. Não, não é verdade que há duas mulheres (as da foto) usando óleo do apagão para sequestrar crianças em Nazaré da Mata. E para não restar nenhuma dúvida, vamos dissecar esse caso.
Primeiro, olhem o nível dessa mensagem de áudio. Vamos ignorar por um instante as milhares de vezes que nós já explicamos como áudios de WhatsApp não são confiáveis e nos ater à história em si. Óleo do apagão? Que óleo é esse? De onde surgiu? Quem disse isso? “A sobrinha do Luizinho” é quem? Alguma autoridade por acaso confirmou esse assunto? É claro que não. Por que essa mensagem é absurda e escancara todas as características de boatos: é vaga, alarmista, sem sentido e não cita fontes confiáveis. Sem contar os erros de português.
Não bastasse isso (porque, de verdade, só o áudio já escancara que essa história é mentira), fomos procurar mais sobre o assunto e encontramos que o mesmo ocorreu em São José da Laje, no Alagoas. Nazaré da Mata fica no Pernambuco há mais de 200 km de distância. Essas duas “bença do Satanás” estão rodando o Nordeste todo? Não estão e nós também já explicamos diversas vezes que várias versões de uma mesma história é sinal de que ela é falsa.
Quando então, tentamos encontrar quem eram as duas mulheres estampadas na fotografia achamos tudo o que era preciso saber sobre esse assunto. Uma das pessoas na foto é a baiana Danyella Sena, que vive em Salvador e nunca saiu de lá. A foto de Danyella junto com sua comadre, também de Salvador, começou a circular nos celulares e grupos de família do nada, em uma cidade há três estados de distância. Vejam o absurdo disso.
Como era de se esperar, tão grande foi a repercussão da história, que o caso de Danyella virou notícia na televisão baiana, e ela própria fez um vídeo esclarecendo que não tinha nada a ver com óleo do apagão ou sequestros de crianças. Veja:
As pessoas devem sofrer de memória curta, mas nós lembramos. Faz apenas 4 anos uma mulher foi assassinada no Guarujá por causa de um boato de internet. Fabiane Maria de Jesus era mãe, assim como Danyella e a outra mulher mostrada na foto. Em tempos de justiça a todo custo, cada vez que a imagem de Danyella Sena é compartilhada o risco de que ela acabe como Fabiane aumenta. E não se enganem, quem passa essa história adiante está apenas ajudando a que uma nova tragédia aconteça.
Portanto, e recapitulando: não é verdade a história de que duas mulheres estão usando um óleo do apagão (é ridículo toda vez que repetimos) para sequestrar crianças. Isso é um boato que está circulando a foto de mulheres inocentes sem qualquer relação com o assunto.
Em tempos em que estamos atentos sobre verdades e mentiras a respeito dos presidenciáveis, falta ter cuidado com as verdades e mentiras sobre o resto de nós. O uso descuidado de fotos dos outros é irresponsável e um crime cibernético. Desde 2013 repetimos a mesma coisa: na dúvida, não compartilhe nada que você não tenha certeza de que é verdade. A segurança dos outros importa e, se não, vale pensar na máxima mais egoísta que existe: poderia ser você.
PS: Esse artigo é uma sugestão de leitoras do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema para o Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, no Facebook e WhatsApp no telefone (61) 991779164