Boato – O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu um texto elogiando a época da Ditadura Militar no Brasil. Depois de citar as “vantagens” do regime, ele finalizou a obra dizendo que “hoje o que podemos fazer é falar mal do presidente”.
Volta e meia, alguns textos surgem na internet falando de assuntos polêmicos e que são atribuídos à figuras conhecidas na mídia como artistas, políticos e escritores renomados dentro. Alguns deles são verdadeiros, mas outros sofrem uma “pequena modificação” para viralizar online e atrair a atenção dos internautas: o nome do autor.
Recentemente, começou a circular nas redes sociais um texto elogiando a época da Ditadura Militar que teria sido escrito pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. No decorrer dos parágrafos, Drummond de Andrade, supostamente, teria citado várias “vantagens” do período do Regime Militar no Brasil e finaliza dizendo que “hoje o que podemos fazer é falar mal do presidente”. Veja o texto original da publicação que está sendo compartilhada nas redes sociais:
GRANDE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: “DITA DURA”. Para: “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar.” – Carlos Drummond de Andrade – Época da ditadura …. Na época da ‘chamada’ ditadura…
Podíamos namorar dentro do carro até a meia- noite sem perigo de sermos mortos por bandidos e traficantes.
Mas, não podíamos falar mal do presidente. Podíamos ter o INPS como único plano de saúde sem morrer a míngua nos corredores dos hospitais. Mas não podíamos falar mal do presidente.
Podíamos comprar armas e munições à vontade, pois o governo sabia quem era cidadão de bem,quem era bandido e quem era terrorista, Mas, não podíamos falar mal do Presidente. Podíamos paquerar a funcionária, a menina das contas a pagar ou a recepcionista sem correr o risco de sermos processados por “assédio sexual”, Mas, não podíamos falar mal do Presidente. […]
Podíamos ir a qualquer bar ou boate, em qualquer bairro da cidade, de carro, de ônibus, de bicicleta ou a pé, sem nenhum medo de sermos assaltados, sequestrados ou assassinados, Mas, não podíamos falar mal do presidente. Hoje a única coisa que podemos fazer… …é falar mal do presidente! Que m…!”
Carlos Drummond de Andrade escreveu texto elogiando a época da Ditadura?
Não é incomum encontrar textos na internet elogiando a Ditadura Militar, inclusive atribuídos a celebridades. Mas será mesmo que o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu uma obra elogiando o regime? A resposta é não! E nós te explicamos o porquê a partir de fatos.
O primeiro deles é que é boatos com textos atribuídos erroneamente à pessoas famosas são bastante comuns na internet. Aqui no Boatos.org, nós já desmentimos uma dúzia desse tipo, como é o caso do texto em que Sérgio Moro não escreveu sobre “quando se tem vontade de furtar”, daquele que Fernanda Montenegro não escreveu “falando dos homens” ou, ainda, a obra em que Arnaldo Jabor não escreveu sobre a música “Que Tiro Foi Esse”.
Em segundo lugar, ao buscarmos pela origem do texto, descobrimos que, assim como em outros casos que já falamos aqui, esse também surgiu de forma anônima e com registros de 2012, como você pode ver aqui nesse link. Só depois, ele “assumiu a identidade” e passou a ser atribuído a Drummond de Andrade.
Além disso, há um fato temporal que derruba toda a história: Carlos Drummond de Andrade morreu em 1987 (veja aqui), isto é, dois anos após o fim da Ditadura Militar. Portanto, não daria tempo de o poeta ter escrito texto algum sobre o regime.
Por fim, vale apontar que muitas das teses descritas no tal texto são furadas, o que é detalhado muito bem no blog do Cão Uivador. Uma delas, por exemplo, logo no início do texto, que diz que “podíamos namorar dentro do carro até meia-noite sem perigo de sermos mortos por bandidos e traficantes”, pode ser facilmente derrubada, uma vez que isso já acontecia antes da época da Ditadura, como é possível comprovar pegando registros de qualquer jornal daquele período, como o acervo de 1960 do Folha de S. Paulo.
Outro furo do texto pode ser visto quando ele diz que “podíamos ter o INPS como único plano de saúde sem morrer a míngua nos corredores dos hospitais”, como uma crítica ao que acontece atualmente com pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS).
O sistema (que passou a ser chamado de INAMPS) não previa atendimento universal, como acontece hoje no SUS. Na realidade, ao contrário da forma vantajosa com que é falada no texto, só quem contribuía com a Previdência Social podia ser assegurado e tinha direito ao atendimento na saúde pública. Isto é, quem não tinha carteira assinada, não podia contar com a saúde pública.
Resumindo: Carlos Drummond de Andrade não escreveu o texto algum (ou pelo menos não esse) elogiando a Ditadura Militar. Além de todos esses furos que falamos acima, há alguns equívocos que comprovam que o poeta não poderia tê-lo escrito, como o fato de Drummond ter morrido dois anos após o fim do regime (em 1987) e, ainda, de o tal texto ter surgido, na verdade, no ano de 2012 e com autoria desconhecida.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.