Boato – O Museu Nacional precisava apenas de R$ 600 mil por ano, mas o Ministério da Cultura preferiu dar o dinheiro para a Lei Rouanet, José Dirceu, MC Guimê e Museu do Lula.
O incêndio no Museu Nacional fez com que um debate esquecido voltasse à tona neste período eleitoral: como cuidar do nosso patrimônio histórico? Em meio a proposições sobre o que fazer, o que não faltou foi gente “apontando o dedinho” e tentando achar culpados.
A esquerda culpou o governo de Temer. Parte da direita preferiu jogar a responsabilidade na reitoria da UFRJ (responsável pelo Museu Nacional) que seria ligada “ao PSOL”. Outra parte da direita jogou a culpa em Lula e Dilma. E, claro, teve gente que jogou a culpa em todos os citados (e até em quem não foi citado acima). No meio desse cenário, uma mensagem no WhatsApp viralizou.
O texto (encontramos duas versões que circularam com força) dava conta de que os R$ 600 mil anuais que seriam para a “sobrevivência do Museu Nacional” foram gastos em diversos projetos que incluíam um filme sobre José Dirceu, um Museu para Lula, show do MC Guimê e peças da Peppa e Shrek. Os valores totais passam de R$ 50 milhões (em um cálculo rápido). Leia as duas versões do texto.
Versão 1: Nos últimos anos não houve dinheiro para salvar o Museu Nacional que “morreu” queimado neste dia 02 de Setembro. Entretanto, no mesmo período, via lei Rouanet, o Ministério da Cultura teve: 1) R$ 1.526.000,00 reais para financiar um documentário sobre a vida do condenado por corrupção José Dirceu (2014); 2) R$ 516.550,00 para financiar a produção de um DVD do MC Guime (2015); 3) R$ 1.356.858,00 para financiar um Blog de poesias da cantora Maria Bethânia (2011) (a cantora desistiu do projeto, após receber uma enxurrada de críticas); 4) R$ 4.143.325,00 para custear uma turnê do cantor Luan Santana (2014); 5) R$ 1.086.214,40 para custear uma turnê do grupo Detonautas (2013); 6) R$ 5.883.100,00 para financiar uma turnê da cantora Cláudia Leite (2013); 7) R$ 1.772.320,00 para bancar uma peça teatral infantil da porquinha Peppa (2014); 8) R$ 17.878.740,00 para custear um musical infantil do Shrek (2011 e 2012); O fato é que dinheiro no Ministério da Cultura houve. Ele só não foi gasto onde se devia!
Versão 2: O Museu precisava de 600 mil ao ano para sobreviver. O governo federal e a classe artística brasileira tinham outros planos. Vamos lembrar pra onde vai o dinheiro da cultura no Brasil. Documentário que contará a história e a vida de José Dirceu – R$ 1.526.536,35. DVD de MC Guimê – R$ 516 mil O Mundo Precisa de Poesia – Maria Bethânia – R$ 1,3 milhão Turnê Luan Santana: Nosso Tempo é Hoje Parte II – R$ 4,1 milhões Turnê Detonautas – R$ 1 milhão Shows Cláudia Leitte – R$ 5,8 milhões Filme Brizola, Tempos de Luta e exposição Um brasileiro chamado Brizola – R$ 1,9 milhão Peppa Pig – R$ 1,7 milhão Painel Artístico Club A São Paulo – R$ 5,7 milhões Shrek, O Musical e Turnê – R$ 17,8 milhões Cirque Du Soleil – R$ 9,4 milhões Queermuseu – R$ 800 mil Livro com fotos de Chico Buarque – R$ 414 mil Museu Lula – 7,9 milhões
Ministério da Cultura gastou verba do Museu Nacional com a Lei Rouanet?
A tal mensagem se espalhou como uma bomba em redes sociais e gerou mais críticas ainda à Lei Rouanet e à gestão da cultura no Brasil. Só tem um problema: a mensagem está cheia de informações erradas e dados distorcidos. Para você entender tudo, vamos aos fatos.
Antes de tratar do caso, precisamos deixar algumas coisas claras. 1) Não faremos juízo de valor sobre qual manifestação cultural é mais importante do que outra (museu, show, filme etc). Se entrássemos nesta seara, precisaríamos de uns 10 textos. 2) Não estamos aqui para apontar quem foram os responsáveis pelo incêndio. 3) Não estamos aqui para analisar se a Lei Rouanet é boa ou não. Dito isso, vamos analisar a mensagem.
O texto que viralizou no WhatsApp esbarra em um conceito errado que muitos que analisam a Lei Rouanet se utilizando do senso comum acabam reverberando. Ao contrário do que se imagina, a Lei Rouanet não “distribui” verbas diretamente como, por exemplo, um repasse federal para custeio.
O artista ou produtor cultural cria um projeto com orçamento a ser executado. Após aprovação do projeto, há um valor que ele pode “captar” de empresas. As empresas, por sua vez, conseguem abatimento no imposto de parte deste “apoio cultural”. Agora tem um ponto muito importante. O abatimento de impostos deste valor, quando tratamos da maioria dos projetos citados na mensagem, é de 30%.
Ou seja, se o artista captou R$ 100 mil de uma empresa, a empresa vai abater “apenas” R$ 30 mil de impostos (R$ 70 mil são patrocínio mesmo). De acordo com esse artigo (que DEVE ser lido), há algumas categorias (incluindo museus) que garantiriam 100% de abatimento de impostos. Mas, por exemplo, Dirceu e Guimê não se encaixariam nos 100%.
Só com base nisso, já temos duas conclusões preliminares. 1) A verba para o Museu Nacional (que, de acordo com essa matéria do G1, vem diretamente dos Ministérios da Educação e Cultura) não foi “cortada” por causa de projetos da Lei Rouanet (uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa). 2) Os valores citados na mensagem não seriam 100% abatidos em impostos. Na grande maioria dos casos, seriam “só” 30%. Mas calma que não para aí.
A Agência Lupa, de fact-checking, fez um ótimo trabalho e descobriu duas coisas que enfraquecem ainda mais a tese. A primeira é que o próprio Museu Nacional tentou captar recursos via Lei Rouanet (aprovou projetos em R$ 17,6 milhões, mas só conseguiu R$ 1,07 milhão). Esses dados são exemplares para comprovar que aprovar um projeto na Lei Rouanet é diferente de conseguir recursos.
A segunda coisa que a Lupa levantou é que apenas um dos 14 projetos citados na mensagem conseguiu captar 100% “do pedido”: o projeto que previa a apresentação do Cirque Du Soleil. Oito dos projetos citados (incluindo o MC Guimê e o filme de José Dirceu) não captaram nenhum centavo. Outros cinco projetos conseguiram financiamento de parte do pedido.
Fora a questão dos valores, há mais algumas imprecisões nas mensagens: uma delas aponta que seria realizado um “filme de Brizola” (na verdade é uma peça de teatro). Outra que existiria um “Museu Lula” (na verdade, é um museu do trabalhador que teve o projeto original transformado em uma Fábrica de Cultura por Alckmin). Há, ainda, a exposição Queermuseu, que foi cancelada pelo Santander e teve o dinheiro devolvido (ou pelo menos a promessa disso) aos cofres públicos.
Resumindo: é fato que as condições do Museu Nacional mostram que ele não recebia a importância que merecia. Porém, a mensagem que circula online e aponta que a “culpa” é da Lei Rouanet e “dos artistas” usa tantos dados distorcidos que não merece ser usada na argumentação sobre o uso do dinheiro público para cultura no Brasil.
PS: Esse artigo é uma sugestão de leitoras do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema para o Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, no Facebook e WhatsApp no telefone (61) 991779164