Este texto foi publicado inicialmente nas páginas do Facebook e Youtube do Boatos.org no início da tarde do dia 1º de abril de 2020.
Caros leitores. Pensamos em fazer um post maior lá no https://www.boatos.org/ neste 1º abril, mas a situação (e as fakes) não nos permitem. Por isso, queria deixar algumas coisas por aqui mesmo. Três tópicos:
1) Desde 2013, nunca passamos por um mês tão conturbado em relação a desinformação. A prova disso está no volume de textos que produzimos (142, número maior do que os 123 de outubro de 2018) e do número de acessos (13,1 milhões de páginas vistas, número maior do que os 7,8 milhões de outubro de 2018). Os números nos deixam orgulhosos e mostram a importância do Boatos.org na luta contra a desinformação. Por 13 milhões de vezes, alguma pessoa abriu a nossa página e teve acesso a explicações que, na pior das hipóteses, a fez refletir sobre a veracidade de um conteúdo. Ou seja: tivemos, sem aviso prévio, um volume e impacto de fake news maior do que na eleição mais crítica da história recente do Brasil.
Apesar de orgulhosos, não conseguimos “comemorar” esses números. Ter um tráfego como esse é a prova de que, infelizmente, “enxugar o gelo” das fake news ainda será uma tarefa necessária enquanto sites com conteúdo duvidoso forem financiados por publicidade online de grandes redes, o WhatsApp e o Twitter permitirem que mensagens não orgânicas (disparadas por perfis falsos e automaticamente) ganhem destaque e, principalmente, as pessoas não entenderem que é preciso compartilhar apenas quando se tem certeza de uma informação. E aqui estaremos.
2) Ontem, chegamos à nossa publicação de número 5000. Duas ainda não estão publicadas e 60 (incluindo um desmentido sobre o kit gay) foram “convidadas” a serem retiradas pelo sistema de publicidade que temos no site (é estranho que o mesmo sistema financia muitos sites que criam fake news).
No ano passado, em um “dia difícil”, falei para mim mesmo que quando chegasse ao texto 5000 “daria um tempo”. A tarefa de monitorar, checar e desmentir fake news e ter que “deixar uma página” no ar com o mínimo de qualidade técnica (mesmo sem ser um especialista) é pesada. Ela impacta na saúde, nas relações sociais, pessoais e familiares.
Agora que cheguei ao texto 5000, vi que, por enquanto, não dá para “dar esse tempo”. Seria egoísta “parar” no meio do caos e deixar nossos quase 500 mil perfis que nos seguem no Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, YouTube e notificações sem informações sobre o que é falso e verdadeiro. Por isso, vou adiar qualquer pronunciamento sobre “um tempo” para “outro momento” (quem sabe na publicação 6000, 7000 ou 10000). Por enquanto, vou fazendo o que continuamos fazendo: crescendo de forma sustentável (ideias e convites para novos produtos e parcerias não têm faltado, mas me reservarei a “apenas” desmentir fakes por enquanto) e desmentindo os boatos que nos chegam.
3) Queria aproveitar esse 1º de abril para pedir a vocês que tentem virar o jogo em relação às mentiras. Questione a grande mídia (é saudável), mas não descredite o jornalismo profissional. Saiba que toda informação que chega a você passa (ou deveria passar) por um processo de produção para minimizar os erros (a apuração e consulta a fontes). E se há um erro de informação faz parte da ética jornalística admitir o erro. Demonizar a grande mídia é uma estratégia para quem deseja tomar para si o título de “dono da verdade” e ter carta branca para espalhar desinformação.
Fortaleça o fact-checking. Não é só Boatos.org que faz esse serviço de formiguinha. Temos no Brasil cerca de 10 sites que fazem esse trabalho. Temos agências, sites ligados a veículos de mídia e projetos. Os siga em redes sociais e acreditem no que é escrito lá. Ninguém tira um “desmentido” do nada. Assim como no jornalismo profissional, há método e apuração.
Colocarei em ordem alfabética de URL e espero não ter feito nenhuma injustiça: http://aosfatos.org/, https://checamos.afp.com/, https://www.correiobraziliense.com.br/holofote/, http://e-farsas.com/, https://www.etechecagem.com/, https://g1.globo.com/fato-ou-fake/, https://noticias.uol.com.br/confere/, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/, https://projetocomprova.com.br/. Vale dizer que alguns veículos de comunicação (como os 24 parceiros do Comprova) também publicam desmentidos de boatos. Fique ligado.
Por fim, usem o ceticismo que vocês têm em relação à mídia para questionar as mensagens que circulam online. Existem características que sempre repetimos para que vocês saibam o que “parece um boato” (mensagens vagas, alarmistas, com erros de português, pedido de compartilhamento e que não citem fontes confiáveis). Se você vir um texto com três dessas características, cheque e só compartilhe se tiver certeza. Em um momento no qual uma informação falsa pode, literalmente, custar 1 milhão de vidas, use o dia da mentira para pensar o quanto deveríamos espalhar a verdade nos outros 364 (ou 365) dias do ano.
Em tempo: queria agradecer essa marca às pessoas que colaboram com o projeto (Kyene Becker da Silva, Carol Lira e Raiane Gonoli), ao Portal Metrópoles (que republica o nosso conteúdo e é um parceiro) a quem passou por aqui e contribuiu para a marca de 5.000 e às pessoas mais próximas (colegas do meu outro trabalho, amigos de agora e os que não consigo mais entrar em contato) e família (que me atura nos horários mais malucos e em momentos de estresse).