Onda de desinformação que surgiu na web após prisão de militar é um exemplo de como a polarização política no Brasil ajuda na propagação de notícias falsas nas quais a solução perpassa, “apenas”, por doses de bom senso.
Lá por 2015, eu participei de uma mesa com o professor e pesquisador Pablo Ortellado. Na ocasião, ele (um dos responsáveis pelo projeto Monitor do Debate Político do Meio Digital) explicou como o clima de polarização criava um terreno fértil para as notícias falsas na internet. Passados três anos (o evento ocorreu em julho de 2015), tivemos, nesta semana, um exemplo de como isso funciona.
A pauta do debate na internet se movimentou após a notícia de que um sargento da Aeronáutica foi preso na Espanha com 39 kg de cocaína. Assim que a informação começou a viralizar na internet, muita gente (com raras exceções, como o deputado federal Marcelo Freixo que alertou, que é “preciso não ser leviano”) ligou o episódio ao presidente Jair Bolsonaro.
A partir da enxurrada de acusações, o clima na internet esquentou. Seja por provocações (como a hashtag #Bolsonarcos, que chegou ao primeiro lugar no Twitter) ou por questionamentos (naturais, diga-se de passagem), acusações começaram a pipocar online.
A partir daí, teorias conspiratórias começaram a surgir na internet. A primeira na qual tivemos acesso era a que apontava que Manoel Silva Rodrigues era filiado ao PSL. É claro que, em um momento no qual muitas pessoas estavam acreditando que Bolsonaro “tem tudo a ver com o caso”, uma informação como essa seria um “argumento de ouro”.
Para se defender, algum simpatizante do presidente resolveu “criar” uma nova teoria: na realidade, o sujeito era filiado ao PT. E aí tínhamos mais um dado (falso) reforçando uma teoria: tudo teria sido uma armação contra o presidente.
Por algumas horas (na realidade, até o momento, só que em ritmo menor), “bolsonaristas e anti-bolsonaristas” saíram por aí compartilhando as fake news que mais lhe convinham. Não teriam feito se tivessem seguido dois passos: 1) Pensar no quanto a informação “convém” a quem publicou ou ao seu grupo. 2) Apurar a veracidade sobre a suposta filiação do sujeito.
No meio desse processo, sites que desmentem notícias falsas derrubaram a tese de que o sujeito era filiado ao PT ou ao PSL. Mas as fake news não pararam por aí.
Nem bem a primeira “dupla” de notícias falsas foi desmentida, surgiu mais um par de fake news. Desta vez, fotos “mostravam” o sargento preso com Bolsonaro (e seus filhos) e com Lula e sua falecida esposa. Mais uma vez, as pessoas compartilharam antes de verificar por qualquer comprovação de que os supostos encontros eram reais. De tudo isso, tiramos algumas conclusões.
1) Por mais que exista gente (e não é pouca) dedicada a diminuir o volume de notícias falsas na internet, a desinformação continuará sendo um problema enquanto as pessoas agirem por impulso e “comprarem como verdade” o que elas querem que seja verdade. É preciso, mais do que checar, se perguntar o quanto a informação é conveniente a quem está a disseminando. Só esse tipo de prática vai desestimular que fake news sejam criadas para beneficiar (ou prejudicar) grupos políticos.
2) É preciso que mais líderes políticos (sejam de qual lado for) ajam no sentido de fomentar um debate racional. Enquanto a pauta política ficar submetida a acusações do tipo “o seu político de estimação é amigo de traficante”, a polarização vai continuar acirrada.
3) Não temos esperanças de que o “item 1 ou 2” sejam colocados em prática. Por isso mesmo, continuaremos por aqui verificando boato por boato e torcendo para que os efeitos alucinógenos causados pelo desejo de “estar com a razão” passem sem maiores consequências à saúde da nossa democracia.