Pronunciamento de Bolsonaro sobre o novo coronavírus é repleto de ataques, indiretas, tem, no mínimo, 7 informações erradas ou distorcidas e deve ser ignorado por qualquer pessoa que tenha interesse em combater a pandemia do novo coronavírus.
No dia 24 de março de 2020, muitos brasileiros ficaram estarrecidos após assistirem, em rede nacional, em pleno horário nobre, o presidente da República Jair Bolsonaro indo contra todas as orientações de autoridades em saúde ao criticar medidas de isolamento social para prevenção contra o novo coronavírus.
Infelizmente, o presidente (que ainda goza de um “poder de influência gigantesco” sobre boa parcela da população brasileira) está prestando um desserviço ao criticar o fechamento de escolas e tratar a Covid-19, doença que vitimou mais de 16 mil pessoas no mundo, como uma “gripezinha ou resfriadinho”.
Não bastasse isso, Bolsonaro publicou diversas informações erradas ou distorcidas nos pouco mais de cinco minutos de discurso à nação (que não colocaremos aqui). O discurso de Bolsonaro é digno daquele clássico jogo dos sete erros, no qual apenas os mais atentos identificam falhas (algumas bizarras) em uma imagem. Para facilitar o seu trabalho na identificação desses erros, vamos listar os sete aqui:
Erro 1 – Falar que os meios de comunicação estão espalhando a “sensação de pavor”
O “primeiro erro” apresentado por Bolsonaro se dá na acusação de que a “mídia” quer criar uma atmosfera de pânico em relação ao novo coronavírus. Além de se tratar de uma acusação injusta e um ataque gratuito, trata-se de uma informação falsa.
A mídia apenas reporta o que está acontecendo, mesmo que seja uma situação grave. E é fato que a situação de pandemia do novo coronavírus é grave.
Além de se tratar de uma doença que ainda não tem cura ou vacina (na qual a única proteção é se prevenir para não pegar o vírus e o tratamento é paliativo), ela é fácil de se disseminar. Em um quadro mais extremo, o grande número de casos pode simplesmente colapsar o Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja: poderíamos ter mais pessoas precisando de atendimento urgente do que vagas disponíveis. Se isso não é ser grave, não sabemos o que é.
Aliás, a mídia, em geral, tem adotado uma postura mais educativa do que alarmista. As orientações hoje são manter a higiene (lavar as mãos ou utilizar o álcool em gel) e, se possível, (principalmente em casos mais extremos) evitar o contato com outras pessoas. Ou seja: ficar em casa.
Seria uma postura alarmista fazer como, por exemplo, muitos youtubers (inclusive defensores de uma intervenção militar no Brasil) fizeram em janeiro deste ano. Na época, eles publicaram imagens não verificadas de supostas pessoas infectadas pela doença “caindo pelas ruas” e “inflaram” os números do novo coronavírus. Isso, sim, é alarmismo.
Tratar a Covid-19 como uma ameaça real e informar sobre medidas para evitar não só é uma ação educativa como é o papel da imprensa. Miniminizar os perigos da doença seria desinformar e fazer mau jornalismo.
Erro 2 – Colocar a culpa da situação da Itália apenas no clima e na idade da população
Não demorou muito para Bolsonaro dar a segunda, de acordo com o nosso levantamento, informação errada. Ao apontar que a Itália tem sofrido com o coronavírus, ele colocou o problema “na conta” da idade da população e no clima.
Há dois dias o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi taxativo ao falar que o “coronavírus não respeita muito a questão da temperatura”. Ou seja: se as medidas de prevenção não forem tomadas, o Brasil pode, sim, ter situação igual ou pior do que a Itália.
É importante citar que o principal erro da Itália foi adotar uma estratégia tardia para combater o coronavírus. De acordo com essa matéria do Nexo, a quarentena foi adotada apenas quando o país já tinha 7.300 casos registrados. Ou seja: o problema da Itália tem mais a ver com subestimar o problema do que com o clima.
Erro 3 – Falar para acabar com a quarentena e “voltar à normalidade”
Olha o que ele disse: “Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa”.
Esse é o mais perigoso dos erros. Em meio a toda dificuldade que autoridades estão tendo para conscientizar a população de que é importante ficar em casa para evitar o aumento repentino de casos do novo coronavírus, como que o presidente, no alto do seu cargo, fala que “devemos voltar à normalidade”?
A ordem contraria a OMS e o próprio Ministério da Saúde do seu governo e deve, sim, ser SUMARIAMENTE IGNORADA!
Quando indaga porque “as escolas param, se são os idosos que sofrem”, Bolsonaro ignora situações de outras realidades brasileiras como, por exemplo, de locais em que avós e netos dividem poucos metros quadrados. Nestes casos, não há como “isolar” os “avós”.
Erro 4 – Falar que o coronavírus é uma “gripezinha”
Ao, novamente, minimizar o novo coronavírus, Bolsonaro se esquece de citar que estamos falando de um vírus que não se adaptou ao corpo humano (a gripe se adaptou) e que não tem vacina ou cura. Vale dizer que, se não existisse vacina contra a influenza, a “gripezinha” ainda mataria muitas pessoas (principalmente idosas) todos os anos. O Boatos.org, inclusive já tratou dessa tese de “gripezinha”. Se quiser saber mais, leia aqui.
Erro 5 – Acreditar que, “por ser atleta”, é imune ao coronavírus
O presidente é um senhor de 65 anos e, apesar de se dizer “um grande atleta”, está dentro do grupo de risco do novo coronavírus. A prova disso está no relato do sul-africano Cameron van der Burgh, campeão olímpico em 2012 e prata em 2016. O porte atlético não o impediu de ser internado por causa da Covid-19. Ninguém é imune ao novo coronavírus e quem está no grupo de risco (como Bolsonaro) é mais vulnerável ainda.
Erro 6 – Falar que Drauzio Varella endossa que o coronavírus não é grave
Ao citar um “conhecido médico daquela conhecida televisão” Bolsonaro repete o erro dos filhos ao endossar que Drauzio Varella acredita que o coronavírus não é grave. Neste desmentido, você pode ver que se trata de uma fala tirada do contexto e que o médico acredita, sim, que o novo coronavírus é uma doença grave.
Erro 7 – Cravar que a cura é a cloroquina
Ao repetir Trump e citar que a “esperança” é a hidroxicloroquina ou a cloroquina, Bolsonaro presta mais um desserviço. Apesar de resultados preliminares apontarem que o remédio pode ter efeito contra o coronavírus, não há provas de que seja a cura (há de se frisar que ainda não há cura para o novo coronavírus). “Maus entendedores” podem acreditar que a fala do presidente é uma senha para se correr às farmácias. Já falamos sobre isso aqui.
Com tantos equívocos, gostaríamos de advertir, já que o Ministério da Saúde não pode fazer isso: se você quiser combater o novo coronavírus ignore o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro do dia 24 de março de 2020. Temos esperança de que o próprio, em um futuro próximo, faça isso.