Em seu último texto para o Boatos.org, Hellen Bizerra lista o que aprendeu nos cinco anos de experiência desmentindo as fake news da internet.
As pessoas podem não acreditar, mas se há uma brincadeira que cabe muito para definir minha relação com as fake news é que “quando eu cheguei aqui era tudo mato”. Realmente, quando há cinco anos fui convidada pelo Edgard Matsuki a fazer parte desse projeto chamado Boatos.org, “pós-verdade” e “fake news” não eram termos que as pessoas tinham na ponta na língua.
Hoje, o mecanismo das notícias falsas não só é de conhecimento geral, como também tem sido utilizado com maestria para mexer com cenários muito mais complexos do que se imagina, como a política. Bom, e discorrido como era o mundo antes e como é agora (risos), não vejo outra forma de me despedir do Boatos.org se não compartilhando as principais lições aprendidas nesta meia década de boataria desmentida. Foram várias, por isso pontuo aqui meu esforço de selecionar só algumas para que ninguém desista da leitura:
1) Boato é coisa muito séria
A principal lição aprendida, não poderia, de forma alguma, ser outra. fake news não tem nada de inocente. Mentiras na internet têm propósito, motivo e são criadas para alcançar um objetivo. Muitas vezes, o objetivo pode ter se iniciado com “boa intenção” (como os vários casos que esclareci sobre crianças desparecidas), mas em algum momento do processo a “verdade” sempre se desvirtua. É aí que está o perigo e a “malícia” de toda fake news.
2) Todo mundo é responsável
Outra lição marcante aprendida nos últimos anos e que as pessoas parecem ignorar (embora não deveriam) é a responsabilidade que temos com o conteúdo que compartilhamos. O ato de compartilhar uma notícia falsa, para a maioria, “morre” depois que se aperta o botão nas redes sociais. Mas não é bem por aí.
O compartilhamento de boatos pode causar sérios problemas e, infelizmente, tem resultado em ocasiões desastrosas como a morte de gente inocente. Lembremos para sempre de Fabiane Maria de Jesus, espancada e morta no litoral paulistano por causa de boato.
3) Um sem fim de boatos
De acordo com o meu futuro ex-editor Edgard Matsuki, nos últimos cinco anos eu desmenti mais de 500 boatos. É coisa para caramba. E o mais impressionante que eu vou levar dessa mentirada toda é como as pessoas são criativas.
Ao longo dos anos eu fui constantemente surpreendida com boatos muito inusitados. De cobra de 12 cabeças a versões sem fim de chupa-cabra espalhados pelos mais variados cantos do mundo. Sem falar nos absurdos, como as receitas milagrosas para curar o câncer ou histórias de gente que é imortal. Desmenti de tudo. E a lição aprendida é que quanto menos esperarmos um novo boato inacreditável vai aparecer.
4) Sem fronteiras
Quando eu comecei no projeto não tinha ideia, mas não demorou muito para descobrir que história falsa não tem fronteira. Limites geográficos são inexistentes para boataria, não à toa desmenti notícia falsa que tinha se iniciado do outro lado do mundo, literalmente. Também desmenti muito boato latino-americano, inclusive em espanhol, e a lição que aprendi nesse projeto paralelo (o Habillias.org) é que “los hermanos” são igualmente suscetíveis às mentiras quanto nós. Na verdade, quando se trata de boataria “estamos todos no mesmo barco”, não importa em que país.
5) Hellen, a petralha liberal de extrema-direita
O quê? Pois é isso mesmo, se formos levar em consideração todas as críticas que recebi (que recebemos) no Boatos.org nos anos de desmentidos, meu viés político é esse Frankenstein descrito no subtítulo. Com o avanço da polaridade política, fui taxada de petista, toda vez que desmenti um boato sobre o PT, mas também fui fascista toda vez que esclareci uma mentira envolvendo Aécio (quem lembra dele?) ou mesmo Bolsonaro.
Demorei um tempo para entender que sempre seria taxada, não importava que tom eu desse aos textos. Assim, a lição aprendida é que não se pode agradar todo mundo e que para as pessoas em geral, notícia falsa parece jogo de futebol, ou você torce contra ou a favor e ponto final.
6) Tem que ser uma missão conjunta
Parece forçado, clichê e coisa de nerd viciado em blockbuster de super-herói, mas é a mais pura realidade. Desmentir boato, esclarecer mentira, informar é uma tarefa conjunta. Com o mesmo fervor que repassam boato, precisamos repassar o desmentido, temos que corrigir a bobagem que foi dita no grupo da família, dos amigos, na conversa particular com a avó.
Se espalhar as informações corretas, quando esclarecidas, não for uma missão conjunta, o trabalho das pessoas (porque sim, galera, não é hobby, desmentir fake news é trabalho sério) que se dedicam a isso com tanta energia vai continuar sem alcance.
A lição mais memorável de todas, que vou levar comigo mesmo agora me despedindo em definitivo desse time incrível e desse projeto essencial é que não importa em que onde esteja, serei sempre uma “caçadora de boatos”. Convido todos a mesma tarefa, vale a pena demais.
Nota do editor: há cerca de cinco anos, eu reencontrei Hellen na Semana da Resistência, evento organizado pela UEPG (universidade na qual eu havia me formado e ela estava concluindo) no qual eu havia sido convidado para falar. Foi um bate-papo rápido em que ela falou que havia achado o projeto do Boatos.org interessante e eu falado que precisava de pessoas para encampar o projeto.
Sem dúvidas, ela foi uma das grandes responsáveis, com sua dedicação e talento, pelo crescimento do site. Passados quase cinco anos, o ciclo de Hellen se encerrou. Novas oportunidades e novos caminhos surgiram para ela. Por aqui, deixo publicamente um agradecimento, em nome do site e dos leitores: obrigado Hellen pelos serviços prestados contra as fake news. Seu nome já está na nossa história.