Boato – Já está comprovado que dinheiro apreendido no aeroporto de Viracopos com comitiva de Guiné Equatorial era destinado à campanha de Fernando Haddad e do PT.
Em tempos de polarização política no Brasil, as pessoas têm, cada vez mais, demonstrado um hábito, no mínimo, imprudente: apontar o dedo para culpados sempre que alguma notícia impactante aparece na mídia. Exemplos recentes podem ser vistos no caso do atentado contra Bolsonaro (em que até o próprio candidato foi acusado, sem provas, de ter forjado o ataque). Hoje vamos falar de um caso similar a esse.
No último sábado, 14 de setembro, a Polícia Federal e a Receita Federal apreenderam junto a uma comitiva do vice-presidente de Guiné Equatorial Teodoro Obiang (filho do ditador de mesmo nome) malas recheadas de dólares e relógios de luxo no aeroporto de Viracopos (Campinas).
Assim que a apreensão virou notícia, muitas pessoas em redes sociais começaram a chegar a uma conclusão: o dinheiro era destinado à campanha de Fernando Haddad (PT) para a Presidência da República. As “evidências” estavam descritas nos “fatos” de que Lula perdoou uma dívida do país, que o BNDES investiu em Guiné Equatorial e “conjecturas”. Leia três versões da mensagem que circula online (viralizou no Facebook e WhatsApp):
Versão 1: CRIMINOSOS INTERNACIONAIS VIERAM DEIXAR DINHEIRO PARA CAMPANHA DE HADDAD. Na tarde de 14 de setembro de 2018, equipe da receita federal de Viracopos (Campinas), apreende 50 milhoes de dolares em 19 maletas Louis Vitton, vindas como bagagem acompanhada de “Teodorín Obiang” filho do ditador de Guiné Equatorial, acredita-se que a quantia apreendida seria para campanha de Hadad”…
Versão 2: O Vice-presidente da Guiné Equatorial foi preso ao tentar entrar no Brasil com mais de 50 milhões de dólares em dinheiro. Por coincidência é o país que o Lula perdoou uma dívida bilionária e teve várias obras bilionárias feitas com dinheiro do BNDES. Por coincidência ele trouxe este fortuna em plena época eleitoral.
Versão 3: Em 2007, o então presidente Lula anunciou o perdão da dívida de Guiné Bissau com o Brasil no valor de US$ 34 milhões. Na sexta-feira, a Polícia Federal apreendeu no aeroporto de Campinas cerca US$ 16 milhões de dólares (aproximadamente R$ 67 milhões) e 20 joias e relógios de luxo do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang, que veio ao Brasil em “missão oficial”.
Os valores e objetos preciosos estavam em malas da autoridade africana, que junto com mais 10 passageiros se recusaram durante quatro horas a mostrar o que transportavam à Polícia Federal e à Receita Federal, alegando imunidade diplomática. A PF instaurou inquérito para apurar o caso. Nós não precisamos de inquérito para ligar os fatos. O dinheiro, certamente, seria entregue ao PT para a campanha de Haddad.
Dinheiro de Guiné Equatorial seria entregue à campanha de Haddad e do PT?
Como as pessoas adoram uma denúncia sem provas (está aí o histórico do Boatos.org que não nos deixa mentir), a tal história começou a render diversos compartilhamentos por aí. Mas será mesmo que essas teses que circulam online são reais? Se dependermos das mensagens descritas acima, a resposta é não. Vamos aos fatos.
Assim que batemos o olho nas mensagens (que carrega as principais características de fake news) fomos procurar mais sobre o que estava escrito. De cara, descobrimos duas coisas. 1) Com exceção dos “detetives do feicebook e o zapzap”, nenhum veículo confiável ou fonte oficial falou que o dinheiro era para Haddad. 2) As mensagens estão cheias de erros (e nem estamos falando da tese que liga o dinheiro a Haddad).
Nenhuma das três mensagens utilizadas como exemplo acertam o valor apreendido. Enquanto duas mensagens falam em US$ 50 milhões e uma mensagem fala em US$ 16 milhões + joias e relógios, o valor correto é US$ 1,4 milhão e R$ 55 mil em dinheiro e diversos relógios de luxo avaliados (ao todo) em US$ 15 milhões. Um bom dinheiro, mas bem menos do que está sendo descrito.
Também é errada a informação que aponta que o vice-presidente de Guiné Equatorial foi preso no Brasil. O dinheiro e os relógios foram apreendidos (há já um pedido de devolução), mas Teodoro Obiang e a comitiva do país já deixaram o Brasil. A PF vai investigar a destinação do dinheiro. Até o momento, a explicação oficial é que os relógios seriam de uso pessoal e o dinheiro seria gasto em Singapura.
Ok. Já deu para ver que as mensagens estão cheia de erros e “tiram” a informação que liga Obiang e a Guiné Equatorial a Fernando Haddad e o PT do nada. Mas a coisa não para por aí. Resolvemos pesquisar os “motivos” que levariam o ditador a ajudar o PT e achamos mais alguns erros.
A primeira informação falsa é a de que o Brasil “perdoou” uma dívida “bilionária” de Guiné Equatorial (citado pela “versão 1”). Em 2013, uma informação sobre perdão de dívidas (não bilionária) chegou a ser veiculada na mídia, mas foi desmentida pelo próprio governo em nota oficial. A “versão 3” do boato chegou a falar sobre o perdão de dívida de Guiné-Bissau. Esse perdão é real, mas Guiné-Bissau não tem nada a ver com os dólares encontrados no Brasil. É outro país!
A segunda informação sobre vínculos de Haddad e Guiné-Equatorial aponta que diversas obras foram feitas no país com o dinheiro do BNDES. A informação foi negada pelo próprio banco (vale dizer que o BNDES disponibilizou um link para consultas). Também foi negada a informação que o banco “envia” dinheiro para outros países. Confira:
Não há obras financiadas com dinheiro do BNDES na Guiné Equatorial. O país não figura entre os destinos de financiamentos do BNDES à exportação de bens e serviços brasileiros de engenharia. As operações que o Banco realiza estão disponíveis à consulta em http://www.bndes.gov.br/transparencia
Resumindo: apesar de algumas mensagens apontarem que o dinheiro apreendido com a comitiva de Guiné Equatorial seria destinado à campanha de Haddad, não há nada que comprove isso e todos os argumentos utilizados nos textos se utilizam de informações falsas. Até que se prove o contrário, o dinheiro de Teodoro Obiang não era destinado a nenhum político do Brasil.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.