Boato – Túlio Gadêlha, deputado e namorado de Fátima Bernardes, enviou um projeto para liberação de casamento entre pais e filhos.
Mesmo com todo esforço de quem faz fact-checking, existem algumas ocasiões em que as pessoas preferem acreditar “no que querem” e não em “fatos objetivos”. Isso resulta em, por exemplo, fake news que insistem em circular (mesmo já tendo sido desmentidas). É o caso da história de hoje.
Em agosto deste ano, o Boatos.org desmentiu uma história que apontava que o “PCdoB queria legalizar o casamento entre pais e filhos”. Logo após, desmentimos a mesma história, mas atribuída à ex-deputada Manuela D’Ávila. Hoje, vamos tratar da mesma história. A “grande diferença” está no “pai da criança”: o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), também conhecido como “namorado de Fátima Bernardes”.
De acordo com um texto que circula online, acompanhado de um discurso de um parlamentar, Túlio Gadêlha está querendo legalizar o casamento entre pais e filhos por meio de um projeto chamado “Estatuto da Família do Século XXI”. Leia a mensagem que circula online:
DEPUTADO e NAMORADO de FÁTIMA BERNARDES envia PROJETO para LIBERAÇÃO de CASAMENTO entre PAIS e FILHOS.* *O FIM esta PRÓXIMO msm, não DAR para ACREDITAR nisso Ñ oh !!!
Namorado de Fátima Bernardes enviou projeto que libera casamento entre pais e filhos?
A tal mensagem e o vídeo (que não vamos exibir aqui) circularam com muita força nas redes sociais (principalmente entre os mais conservadores). Só há um detalhe nesta história: o projeto citado não “libera o casamento entre pais e filhos” e tampouco “foi enviado” por Túlio Gadêlha.
Como falamos no início do texto, essa mesma história de “projeto do incesto” já foi compartilhada e desmentida em outras oportunidades (não só pelo Boatos.org, como também por outros sites de fact-checking). Para poupar o seu (e o nosso tempo), vamos colocar aqui porque a premissa apontava por aí não é verdadeira (já já, a gente volta):
O primeiro passo para desvendar a informação foi ler a “notícia” que viralizou e compará-la com o projeto em si. Para tanto, vamos relembrar o que diz a PL (que depois de ser votada na Comissão de Direitos Humanos e Minorias deverá passar por mais duas comissões, plenário da Câmara, se houve requerimento, e Senado):
Art. 1º Esta lei institui o Estatuto das Famílias do Século XXI. Parágrafo único. O Estatuto das Famílias do Século XXI prevê princípios mínimos para a atuação do Poder Público em matéria de relações familiares.
Art. 2º São reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas.
Parágrafo único. O Poder Público proverá reconhecimento formal e garantirá todos os direitos decorrentes da constituição de famílias na forma definida no caput. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
De cara, é possível se perceber que o tema “casamento entre pais e filhos” não é tratado no projeto. Quando se fala em “união de duas ou mais pessoas”, o texto não fala de “casamento”. O texto fala em família. O mesmo vale para quando o termo “consaguinidade” é tratado.
O texto não se refere a casamentos entre pais e filhos e sim o reconhecimento de pessoas, mesmo sem laços sanguíneos (como, por exemplo, um enteado), como membros de uma mesma família. Neste momento, você deve estar se perguntando o porquê desse tipo de redação. A resposta é em outro projeto de lei: o “Estatuto da Família”.
Na realidade, o “Estatuto da Família do Século XXI” (do Orlando Silva) nada mais é do que uma resposta a um projeto criado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE) em 2013 e aprovado em comissão especial em 2015 que visa instituir que a família é um “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher” ou “por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Mais alguns detalhes reforçam a tese de que o “Estatuto da Família do Século XXI” nada mais é do que uma resposta ao “Estatuto da Família” (que ainda está tramitando na Câmara) e não tem nada a ver com casamento entre pais e filhos. O primeiro é a data de proposição feita por Orlando Silva (cerca de um mês após a aprovação do projeto de Anderson Ferreira).
O segundo detalhe é técnico. Se você não sabe, há um artigo (mais exatamente o 1521) no Código Civil que versa sobre o impedimento do casamento de pessoas com laços sanguíneos. Se o projeto tivesse como objetivo alterar esse artigo, teria que discriminar isso no “inteiro teor”. E não há nada do tipo “altera os artigos xx do Código Civil”.
O terceiro está nas próprias palavras do autor da proposta. Por meio do Twitter, Orlando Silva classificou como fake news as tentativas de apontar que o projeto visa legalizar o casamento entre pais e filhos. Ele reforçou que o intuito é “citar que a base da família é o amor”. Leia publicação:
É sórdido, nojento, revoltante. A indústria de fake news do bolsonarismo não tem escrúpulos. Mentem desbragadamente para descaracterizar um projeto que nada fala sobre casamento entre pais e filhos, apenas cita que a base da família deve ser o amor. Serão processados, canalhas!
Por meio de um artigo no site Vermelho, Orlando Silva também explicou que o projeto também não trata da “aprovação do poliamor”. Leia o que foi escrito:
Da mesma forma, quando fala em “união de duas ou mais pessoas” não está se referindo à bigamia ou poligamia – o que, aliás, é proibido em nossa legislação -, mas ao núcleo familiar composto por duas pessoas, hétero ou homoafetivas, e os filhos destes, sejam naturais ou adotados.
É importante citar que o assunto já foi tratado no âmbito do Judiciário e cartórios foram proibidos de realizar casamentos entre mais de duas pessoas. Logo, qualquer projeto que visasse a liberação da prática teria que ser mais claro do que o “Estatuto da Família do Século XXI”.
Deu para entender, né? Só há mais dois detalhes a serem desmentidos: o primeiro deles está na “autoria do projeto”. Ao contrário do que aponta a mensagem, o criador não é Túlio Gadêlha (ele é apenas o relator do projeto da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara). O projeto é de Orlando Silva.
O segundo está na “iminência de aprovação do Estatuto da Família do Século XXI”. Ao contrário do que aponta a mensagem, ele não será “votado amanhã”. No momento, a proposta está parada na CDHM, sem previsão de votação.
Resumindo: a história que aponta que o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), namorado de Fátima Bernardes, vai enviar um projeto que prevê a legalização do casamento entre pais e filhos é falsa. Nem o projeto prevê isso tampouco o deputado é o autor da proposta.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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