Boato – Agora é oficial! O Senado criou um projeto para tratar da venda do Aquífero Guarani para a Coca-Cola e a Nestlé e criou uma consulta pública online.
Se você não se lembra, a palavra “do ano” de 2016 foi “pós-verdade”. Em 2017, a palavra “do ano” foi “fake news”. Se você ainda se pergunta por que essas palavras ganharam tanta importância nos últimos tempos, o caso de hoje, que trata do Aquífero Guarani, mostra como crenças pessoais estão pesando mais do que fatos objetivos e ajudando a disseminar notícias falsas.
Em 2016, o Boatos.org desmentiu uma história que apontava que o governo (já no comando de Temer) estava se preparando para privatizar o Aquífero Guarani e vendê-lo para a Coca-Cola e a Nestlé. Mesmo com o nosso desmentido (e com gente esperneando) e com o fato de nada ter se comprovado, o boato voltou a circular em 2018.
Mais uma vez, o Boatos.org (e tantos outros sites como o norte-americano Snopes) desmentiu a história (desta vez, já com afirmações claras da Nestlé e Coca-Cola de que não vão comprar o Aquífero). Achávamos que a questão estaria resolvida. Não estava.
Nos últimos dias, “coincidentemente” anteriores a um evento sobre água no Brasil (o Fórum Mundial da Água), o Aquífero Guarani voltou à pauta aqui no Boatos.org. Uma mensagem que circula no WhatsApp dá conta de que o Senado abriu uma votação para criar o “mercado da água”, que seria “vender o Aquífero Guarani”. Leia:
Pessoal vamos votar NÃO sobre o comércio da ÁGUA. E enviar pra todo mundo, não permitindo que esta lei seja aprovada. Temer, doente, esta querendo vender o aquífero GUARANI, para a Coca Cola e Nestlé. Ascesse o link para votar contra (NÃO) o projeto de que possibilita a criação de “mercado de água”
Se você acha que acabou por aí, está enganado. Um post de um blog claramente contrário ao governo atual e simpático ao PT dá uma visão “mais direta” da consulta pública. Leia um trecho do texto:
Uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani está a venda pelo governo ilegítimo de Michel de Temer. Os protagonistas dessa operação é a Nestle e a Coca-cola, que se reuniu com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Ao que parece, é preciso garantir que Lula não seja eleito, de forma nenhuma, já que a operação de privatização das águas brasileiras é uma das maiores operações econômicas e estratégicas do mundo.
A repercussão da tal notícia foi tão grande que fomos “homenageados” no Twitter. Um perfil com o nome de “Volta Dilma” “acreditou” na história e escreveu o seguinte. “A Boatos.org garantiu q era boato… e taí a consulta aberta no Senado, se enganou, como tb faltou desmentir boatos maldosos q circulavam sobre obras de visao estratégica do governo Dilma”.
Senado abre consulta pública para venda do Aquífero Guarani?
Caramba! Vamos analisar a situação: há um viral no WhatsApp, um viral em um blog e até alguém falando que o Boatos.org se enganou. Então, será mesmo que o Senado abriu uma consulta pública para “vender” o Aquífero Guarani para a Coca-Cola, Nestlé com a ajuda de Temer e Cármen Lúcia? A resposta é não. Vamos aos fatos.
Dois pontos ajudam a desmentir a história. O primeiro deles já foi falado em outras postagens do Boatos.org e vamos citar rapidamente (se você quiser mais detalhes leia o nosso outro texto). 1) A “venda do Aquífero Guarani” passaria por uma decisão de diversos países e até o momento não houve nenhuma conversa sobre isso entre governos. 2) A Nestlé e a Coca-Cola já desmentiram qualquer boato de “compra” do Aquífero.
O terceiro motivo está na necessidade de que uma PEC fosse aprovada para ser realizada a venda. E, ao contrário do que a mensagem no WhatsApp, a postagem do blog e a nossa amiga “Volta Dilma” afirmam, o projeto do Senado que está viralizando não trata da “venda do Aquífero Guarani”. Para entender, é só fazer uma leitura do projeto com um pouco mais de atenção.
Em nenhum momento, a proposta fala de “privatização” de recursos naturais. A proposta, basicamente, autoriza o que é chamado de “mercado da água” em caso de crises hídricas. Ou seja: a proposta permite, por exemplo, que um produtor que tenha uma fonte de água em suas terras “venda” essa água para outros produtores em caso de problemas de abastecimento.
Na apresentação do projeto, deixou-se claro que esse comércio “não poderá prejudicar usos prioritários (abastecimento humano e de animais) e deverá observar a manutenção da vazão ecológica nos cursos de água”. O autor do projeto, Tasso Jereissati (PSDB-CE) reiterou que privatização está fora de questão:
“Convém destacar que o projeto não pretende privatizar as águas, pois essas são inalienáveis. O que se propõe é apenas a negociação dos direitos de uso outorgados pelas autoridades competentes, notadamente em situações de escassez hídrica, observadas as exigências presentes no próprio texto da proposição”, alegou Tasso ao justificar a iniciativa.
De fato, há algumas críticas ao projeto. Mas o próprio boato que envolve Aquífero Guarani, Coca-Cola, Nestlé, discurso fácil e politicagem deve, infelizmente, prejudicar todo o debate em torno do projeto. Ou vai fazer ele ser rejeitado sem ser entendido ou vai fazer quaisquer críticas (inclusive as que procedem) contra a proposta serem ignoradas.
Resumindo: a história que aponta que o Senado abriu uma consulta pública para vender o Aquífero Guarani para a Coca-Cola e para a Nestlé é falsa. Além da história já ter sido desmentida por aqui, o projeto em questão trata de outra questão relacionada à água. Antes de discordar, tente entender.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.