Boato – Para sediar a COP 25, o Brasil seria obrigado a assinar um acordo chamado Triplo A, no qual teria que ceder a Amazônia para outros países. Triplo A está no Acordo de Paris.
Desde a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro tem dado declarações contrárias a muitas pautas ambientais. Eleito, o presidente tem começado a colocar em prática a agenda contra o “ativismo ambiental”. A última ação foi pedir para o Brasil desistir de sediar a COP 25 (Conferência Mundial do Clima realizada pela ONU). Em uma entrevista coletiva, ele citou corte de gastos e o “Triplo A” como alguns motivos para a decisão.
Bolsonaro não foi muito claro na relação entre o Triplo A e a desistência do Brasil. Ipsis litteris, ele disse “Está em jogo o Triplo A nesse acordo”. Se o presidente não foi muito claro, um texto tratou de “complementar (ou não)” o pensamento dele sobre o Triplo A, Acordo de Paris (carta assinada para a redução do efeito estufa no mundo) e a desistência da Cop 25.
Um textão publicado no Facebook (e que obviamente não vamos publicar na íntegra) dá conta de que o Triplo A estava na pauta da Conferência da ONU e é uma ameaça real à soberania do Brasil na administração da Amazônia. Leia trechos da mensagem que circula online:
“TRIPLO A” – O que é? Por que Bolsonaro foi contra? Essa semana nosso presidente-eleito recomendou ao futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a não realização no Brasil da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (a COP 25), que discutiria as alterações climáticas no mundo e ações para redução do efeito estufa. […]
Querendo entender os porquês, fui saber que entre a pauta da conferência da ONU, estaria a ideia de criar o Corredor Andes-Amazônia-Atlântico (Triplo A ou AAA), ao qual desconhecia o teor e mesmo que já estaria tomando corpo avançando nos últimos meses. Ocorre que o conceito de Corredor Triplo A foi preparado na Colômbia e, casualmente a ideia foi do ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos, em parceria com a Fundação Gaia Amazonas, sediada em Bogotá. […]
Segundo nosso General Villas Boas, o “Corredor Triplo A” é uma questão de soberania, e sua missão como Comandante do Exército, preocupado com interesses nacionais, é indicar os riscos dessa proposta para o país. Precisamos discutir profundamente com a sociedade. A NOSSA sociedade. Portanto, depois de buscar entender os processos, eu dou completa e total razão ao nosso presidente-Eleito!”
Triplo A está na pauta da COP 25, que seria no Brasil, e do Acordo de Paris?
A tal mensagem se espalhou muito na internet e está deixando muita gente arrepiada. Mas será mesmo que o tal de Triplo A é um desejo do mundo para tomar a soberania da Amazônia do Brasil e será que ele está na pauta do Acordo de Paris ou mesmo da COP 25? A resposta é não. Calma que a gente explica tudo.
Não vamos entrar no mérito se a proposta do Triplo A é vantajosa para o nosso país. Também não vamos avaliar se a desistência do Brasil em sediar a COP 25 é uma “boa”. Vamos nos ater em três pontos. 1) A proposta não está no Acordo de Paris. 2) A proposta não faz parte do COP 25. 3) Não há uma ameaça real.
Todas essas questões são fáceis de se responder buscando o histórico do Triplo A. Assim como apontou o texto, trata-se de uma proposta de uma ONG colombiana datada de 2015. À época, o então presidente do país, Juan Manuel Santos, abraçou a ideia. Ele ficou tão empolgado que chegou a cogitar levar a proposta na COP 21, realizada em 2015 em Paris. Porém, faltou “combinar com os russos” (no caso, venezuelanos e brasileiros).
À época, o anúncio se Santos gerou uma saia justa com Maduro (relação que pioraria muito com o passar do tempo). Pelo lado do Brasil, o Exército e a mídia se posicionaram contra. O resultado foi, que em novembro daquele ano, a Colômbia não levou a proposta para a COP 21 (confira as propostas do país aqui).
O tempo passou e nunca a proposta chegou oficialmente ao Brasil e tampouco foi assinada. Ou seja: a ameaça não é tão grande! Mas calma que a gente não terminou. Também fomos dar uma olhada no Acordo de Paris em si. Como imaginávamos, o Triplo A não estava lá. Se você duvida, confere no link (em inglês).
E na pauta da COP 25, há o Triplo A? Também não. Primeiro porque o mundo ainda vive a COP 24 (realizada na Polônia). Segundo, porque não há nada sobre a tal proposta em fontes confiáveis. Depois da desistência do Brasil, o próprio Ministério das Relações Exteriores negou, ao site O Eco, que o Triplo A estivesse dentro da agenda da COP 25.
O jornalista André Trigueiro chegou a dar um relato classificando qualquer relação do Triplo A com o evento como um “absurdo”. Trigueiro fez, ainda, uma explanação sobre o assunto durante o programa Estúdio I, da Globo News, na qual contou detalhes sobre a “história do Triplo A” (não passa de uma iniciativa de ONG, mas que não foi para frente) e reforçando que ela não é um motivo aceitável para a desistência do Brasil. Assista neste link.
Resumindo: Bolsonaro pode ter mil motivos para decidir que o Brasil não sedie a COP 25. Porém, o fato de o Triplo A estar na pauta do Acordo de Paris, da conferência da ONU sobre clima e ser uma “grande ameaça” não está entre eles. Se o Brasil quer se livrar do Triplo A, só precisa uma coisa: dizer não. Ou melhor, continuar não dizendo sim (como sempre fez).
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.