Boato – O deputado federal Túlio Gadêlha, “marido de Fátima Bernardes”, criou um projeto de lei que prevê a legalização do incesto, o casamento entre pais e filhos.
Não é novidade para ninguém que muitos dos boatos da editoria Política estão relacionados a questões sensíveis que afetam um público mais conservador (principalmente, conservadores sem muita escolaridade). É o caso de uma história que voltou a circular em 2022 e aponta para o deputado federal Túlio Gadêlha, que é o namorado da apresentadora Fátima Bernardes.
Mensagens que circulam na internet apontam que Túlio Gadêlha seria o autor de um projeto de lei que visa legalizar o incesto. Ou seja: com base no projeto de lei de Túlio Gadêlha, pais poderiam se casar com filhos.
Em 2022, a história foi suscitada por uma decisão do TJPE em não retirar um dos textos que apontavam para o tal projeto das redes sociais. Com isso, o anúncio da decisão judicial começou a circular com o “reforço” de que o projeto previa casamento entre pais e filhos. “Vencemos! Marido de Fátima Bernades perde na justiça, ação por projeto de Lei que permitia pai se casar com filha”, diz umas das mensagens que circulam online.
Túlio Gadêlha, “marido de Fátima Bernardes”, criou projeto que prevê casamento entre pais e filhos?
O tal anúncio se espalhou com força na internet. Só que, apesar de a notícia da decisão judicial ser real, a história que aponta que o projeto em questão permite casamento entre pais e filhos continua sendo falsa.
O número de informações erradas na história não é pequeno. Para começar, Túlio Gadêlha não é “marido de Fátima Bernardes”. Os dois são namorados. Além disso, o projeto “alvo” da fake news sequer é de autoria de Túlio Gadêlha. Como mostramos nestes desmentidos (aqui e aqui), o projeto em questão é de autoria do deputado Orlando Silva.
Agora, o mais importante: o projeto em questão, que é o Estatuto da Família do Século XXI (e que está fora de pauta na Câmara dos Deputados) não prevê casamento entre pais e filhos. Relembre o que escrevemos a respeito do assunto em 2019:
O primeiro passo para desvendar a informação foi ler a “notícia” que viralizou e compará-la com o projeto em si. Para tanto, vamos relembrar o que diz a PL (que depois de ser votada na Comissão de Direitos Humanos e Minorias deverá passar por mais duas comissões, plenário da Câmara, se houve requerimento, e Senado):
Art. 1º Esta lei institui o Estatuto das Famílias do Século XXI. Parágrafo único. O Estatuto das Famílias do Século XXI prevê princípios mínimos para a atuação do Poder Público em matéria de relações familiares.
Art. 2º São reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas.
Parágrafo único. O Poder Público proverá reconhecimento formal e garantirá todos os direitos decorrentes da constituição de famílias na forma definida no caput. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
De cara, é possível se perceber que o tema “casamento entre pais e filhos” não é tratado no projeto. Quando se fala em “união de duas ou mais pessoas”, o texto não fala de “casamento”. O texto fala em família. O mesmo vale para quando o termo “consaguinidade” é tratado.
O texto não se refere a casamentos entre pais e filhos e sim o reconhecimento de pessoas, mesmo sem laços sanguíneos (como, por exemplo, um enteado), como membros de uma mesma família. Neste momento, você deve estar se perguntando o porquê desse tipo de redação. A resposta é em outro projeto de lei: o “Estatuto da Família”.
Na realidade, o “Estatuto da Família do Século XXI” (do Orlando Silva) nada mais é do que uma resposta a um projeto criado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE) em 2013 e aprovado em comissão especial em 2015 que visa instituir que a família é um “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher” ou “por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Mais alguns detalhes reforçam a tese de que o “Estatuto da Família do Século XXI” nada mais é do que uma resposta ao “Estatuto da Família” (que ainda está tramitando na Câmara) e não tem nada a ver com casamento entre pais e filhos. O primeiro é a data de proposição feita por Orlando Silva (cerca de um mês após a aprovação do projeto de Anderson Ferreira).
O segundo detalhe é técnico. Se você não sabe, há um artigo (mais exatamente o 1521) no Código Civil que versa sobre o impedimento do casamento de pessoas com laços sanguíneos. Se o projeto tivesse como objetivo alterar esse artigo, teria que discriminar isso no “inteiro teor”. E não há nada do tipo “altera os artigos xx do Código Civil”.
O terceiro está nas próprias palavras do autor da proposta. Por meio do Twitter, Orlando Silva classificou como fake news as tentativas de apontar que o projeto visa legalizar o casamento entre pais e filhos. Ele reforçou que o intuito é “citar que a base da família é o amor”. Leia publicação:
É sórdido, nojento, revoltante. A indústria de fake news do bolsonarismo não tem escrúpulos. Mentem desbragadamente para descaracterizar um projeto que nada fala sobre casamento entre pais e filhos, apenas cita que a base da família deve ser o amor. Serão processados, canalhas!
Por meio de um artigo no site Vermelho, Orlando Silva também explicou que o projeto também não trata da “aprovação do poliamor”. Leia o que foi escrito:
Da mesma forma, quando fala em “união de duas ou mais pessoas” não está se referindo à bigamia ou poligamia – o que, aliás, é proibido em nossa legislação -, mas ao núcleo familiar composto por duas pessoas, hétero ou homoafetivas, e os filhos destes, sejam naturais ou adotados.
É importante citar que o assunto já foi tratado no âmbito do Judiciário e cartórios foram proibidos de realizar casamentos entre mais de duas pessoas. Logo, qualquer projeto que visasse a liberação da prática teria que ser mais claro do que o “Estatuto da Família do Século XXI”.
É importante citar que a decisão judicial que vetou a retirada do conteúdo da internet não analisou o mérito da publicação (se era falsa ou verdadeira). A decisão (que pode ser lida na íntegra aqui) se baseou pura e simplesmente nos princípios de liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Ou seja: ele não é (e nem poderia ser) passe livre para se dizer que o projeto em questão legalizada o incesto.
Resumindo: é falsa a informação que aponta que Túlio Gadêlha criou um projeto para legalizar o incesto no Brasil. Além de se tratar de uma informação falsa e já desmentida no Boatos.org, ele não é autor do projeto criticado e muito menos “marido de Fátima Bernardes”.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61) 99458-8494.
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