Boato – Em texto, o político francês Gilbert Collard diz que “muçulmanos devem matar todos os infiéis” e que “infiel é todo não muçulmano”.
Normalmente, o texto começa com “fulano solta o verbo”, sugerindo que o conteúdo é uma revelação bombástica. Às vezes pode ser uma crítica ao governo, uma notícia exclusiva ou até um texto motivacional. Mas a autoria é quase sempre de um nome consagrado. É aí que está o problema.
Pois bem, no caso de hoje, o nome da vez é Gilbert Collard. Circula na internet uma reflexão do político francês, de direita, sobre a “fase de muçulmanização nos hábitos e nas leis” do país. O texto, intitulado “O que é um infiel para um muçulmano?”, diz que “muçulmanos devem matar todos os infiéis” e que “infiel é todo não muçulmano”. A mensagem pede ainda para “enviar a todos os seus contatos via internet”. Leia trechos da publicação:
O que é um infiel para um muçulmano? Como a França (tão liberal e pioneira em criação de valores) está passando por uma fase de “muçulmanização” nos hábitos e na leis, na última década, um advogado francês chamado Gilbert Collard resolveu se manifestar. Vale a pena ler, porque o mundo ocidental corre o mesmo risco.
“Como demonstram as linhas que se seguem, fui obrigado a tomar consciência da extrema dificuldade em definir o que é um infiel, para poder escolher entre Alá ou o Cristo, até porque o Islamismo é de longe a religião que progride mais depressa no nosso país. No mês passado eu participei de um estágio anual de atualização, necessária para renovação da minha habilitação de segurança nas prisões. Nesse estágio houve uma apresentação por parte de quatro palestrantes, representando respectivamente as religiões Católica, Protestante, Judaica e Muçulmana, explicando os fundamentos das suas doutrinas respectivas. Foi com um grande interesse que esperei a exposição do Imã.
A apresentação deste último foi notável, acompanhada por uma projeção em vídeo. Terminadas as intervenções, chegou-se ao tempo de perguntas e respostas, e quando chegou a minha vez, perguntei: – “Agradeço que me corrija se eu estiver enganado, mas creio ter compreendido que a maioria dos Imãs e autoridades religiosas decretaram o “Jihad” (guerra santa), contra os infiéis do mundo inteiro, e que matando um infiel (o que é uma obrigação imposta a todos os muçulmanos), estes teriam assegurado o seu lugar no Paraíso. Neste caso poderá dar-me a definição do que é um infiel?” Sem objetar à minha interpelação e sem a menor hesitação, o Imã respondeu: – “Infiel é todo não muçulmano”…
Muçulmanos devem matar todos os infiéis, diz Gilbert Collard, político da França?
Entre críticas e aplausos, não faltaram compartilhamentos. Mas será mesmo que o político francês disse que muçulmanos devem matar todos os infiéis? A resposta é não. Sem mais delongas, vamos aos fatos.
Antes de falar do boato, vale dizer que Gilbert Collard é um advogado e político francês (afinal, nem todo mundo conhece). Atualmente, Gilbert é secretário-geral do Rassemblement bleu Marine (RBM), uma coalizão política francesa de partidos políticos de direita e extrema direita criada por Marine Le Pen. O advogado também é membro da Assembleia Nacional (antiga Frente Nacional) de Gard.
Dito isso, vamos a algumas considerações sobre o texto. A primeira delas é sobre a falsa premissa de que os muçulmanos querem matar todos os não muçulmanos. Digo isso porque o islamismo possui um longo histórico de tolerância. Tudo isso, graças aos “povos do livro” (judeus e cristãos), que seriam os povos irmãos por seguirem a Bíblia Sagrada. Além disso, o islamismo, assim como o Judaísmo e o Cristianismo, acredita nos profetas e mensageiros de Deus. Para eles, a missão dos profetas não é impor seus ensinamentos e, sim, direcionar as pessoas para o caminho de Deus. Logo, não há motivos para acreditar que “muçulmanos querem matar os infiéis”.
O xeque Jihad Hassan Hammadeh, nesta entrevista na Revista IstoÉ, fala sobre o combate aos infiéis. Segundo Jihad, no Corão, livro sagrado do islamismo, as passagens indicam que é preciso combater o injusto e defender o injustiçado, sendo muçulmano ou não. Ou seja, se uma passagem diz “matai os infiéis, onde quer que os encontre”, existe um contexto. Confira o que diz o líder muçulmano:
Entre os incrédulos da cidade de Meca e os muçulmanos de Medina havia um acordo de não agressão. E quebrar esse acordo era passível de pena de morte. É isso que significa. Porém a pessoa que lê sem conhecimento pensa que Deus falou para sair matando todo mundo. É uma interpretação errada dos ensinamentos do Corão.
Por fim, a cereja do bolo: o próprio Gilbert Collard negou a autoria do texto. Em um artigo, publicado em 2012, o advogado afirmou que o texto foi falsamente atribuído a ele e classificou o conteúdo como “violento” e “islamofóbico”.
Resumindo: a história que aponta que o político francês Gilbert Collard disse que muçulmanos devem matar todos os infiéis é falsa. Trata-se de mais uma declaração falsa que se apropria de alguém conhecido para crescer e aparecer. Também é falsa a premissa de que os muçulmanos são orientados a matar infiéis.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.