Boato – Broca-do-morango, “bicho microscópico” encontrado no fruto, é responsável pela transmissão de hepatite A e E e outras doenças.
As temperaturas estão mais amenas em terras tupiniquins, mas esse cenário deve ser passageiro. E com o calorzão de volta, nada melhor do que recorrer aos sucos para se refrescar. Aqui no Brasil, um dos frutos mais apreciados pela população é o morango. O azedo adocicado do fruto faz sucesso entre os brasileiros, seja na forma in natura, em sucos, sorvetes, tortas etc.
Mas de acordo com um vídeo que está circulando nas redes sociais, é necessário cautela na hora do consumo. A mulher que fala ao fundo das imagens explica que um “germe” (“um bichinho”) que existe no morango seria o responsável pela transmissão dos vírus das hepatites A e E. Ainda de acordo com o vídeo, o “bichinho”, também conhecido como broca-do-morango, ainda seria causador de outras doenças. Confira algumas mensagens que circulam junto à filmagem:
Confira o desmentido em vídeo:
Versão 1: “Morango está se destacando como um dos transmissores de dois tipos de hepatite”. Versão 2: “O BICHO DO MORANGO!”. Versão 3: “Cuidado broca do morango”.
Broca-do-morango (bicho do morango) causa doenças como a hepatite?
A informação bombou nas redes sociais, em especial, no Instagram e no Facebook. O vídeo já foi compartilhado centenas de vezes e está causando pânico na internet. Apesar disso, calma! A história não é real.
Basta ler a publicação (ou ver o vídeo) para perceber que eles possuem as principais características de fake news, como o caráter vago, bastante alarmista, os erros de português e a falta de fontes confiáveis (nesse caso, de reportagens jornalísticas e estudos científicos).
Além disso, existe um histórico bastante vasto na internet de denúncias contra alimentos. A equipe do Boatos.org já desmentiu inúmeras delas, como a que dizia que um lote de feijão estaria contaminado com o protozoário que causa a doença de Chagas. Também a que indicava que os alimentos transgênicos poderiam causar câncer e, por fim, a que apontava que o peixe panga teria vermes e poderia fazer mal à saúde.
Pois bem, fomos investigar a história e descobrimos que os apontamentos feitos no vídeo não fazem o menor sentido. Para começo de história, a mulher que publicou o material acabou excluindo o vídeo de sua conta. Isso, por si só, já é um bom indicativo de que as coisas, talvez, não sejam bem assim.
A primeira tese a ser desmentida é a que sustenta que o bicho do morango é um dos transmissores da hepatite A e E. Lá no final dos anos 1990, nos Estados Unidos, um surto de hepatite A chamou a atenção da comunidade. Os casos foram relatados em estudantes e professores de escolas em Michigan, Maine e Wisconsin. Após investigações, as autoridades descobriram que a doença foi contraída após a ingestão de polpas de morango.
Em 1997, a Justiça estadunidense condenou a empresa responsável pela distribuição da polpa por fraude. De acordo com as investigações, o fruto usado na polpa era proveniente do México. Na época, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos permitia que apenas alimentos “100% cultivados e processados” no país fossem vendidos ao programa de merenda escolar dos EUA. Ainda naquela oportunidade, a Justiça não soube determinar se a contaminação ocorreu na fase de produção do produto, no México, ou na fase de processamentos, nos EUA.
Em 2016, um novo surto de hepatite A nos EUA foi relacionado ao uso de polpas de morango. Dessa vez, o produto teria sido importado do Egito. Novamente, ninguém conseguiu indicar se a contaminação teria vindo do produto in natura ou da fase de processamento.
Relatos como esse serviram como base para a história de hoje. Entretanto, se tratam de casos isolados e não recorrentes. Vale ressaltar que as hepatites A e E são doenças contagiosas que são transmitidas a partir do contato entre indivíduos ou por meio de água ou alimentos contaminados pelo vírus. A ocorrência da hepatite E, entretanto, é bastante rara no Brasil, sendo mais comum na Ásia e na África.
Isso nos leva a outra relação: morango x processo de produção. Um morango produzido com água contaminada pode não só causar a transmissão de hepatite A como outras doenças relacionadas a bactérias e outros patógenos. A contaminação pode ocorrer, inclusive, na fase de pós-colheita do produto ou de processamento do alimento, já na indústria.
Acontece que esse ciclo não é exclusivo do morango, podendo atingir qualquer produção hortifrutícola, como alface e tomate, e até produtos industrializados. A situação, muito menos, ocorre com a frequência apontada no vídeo. Isso porque o Brasil tem normas rígidas em relação ao controle sanitário de alimentos e possui uma regulamentação sobre padrões microbiológicos para alimentos, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se todo o morango do país estivesse contaminado e causando problemas como aqueles relatados no vídeo, certamente o órgão regulador, a Anvisa, já teria se pronunciado há algum tempo. O que não ocorreu.
Além disso, muitos produtores têm buscado aperfeiçoar ainda mais suas práticas, em especial, adotando sistemas de segurança de alimentos como a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) e o Sistema Agropecuário de Produção Integrada (SAPI) e também ações higiênico-sanitários, como o Boas Práticas Agrícolas (BPA) e Boas Práticas de Fabricação (BPF). O objetivo desses sistemas e procedimentos é garantir a produção de alimentos que não apresentem nenhum tipo de risco à saúde do consumidor. Mais do que um nome, esses processos garantem segurança ao consumidor.
Como é possível ver, o pobre “bichinho” não tem nada a ver com a transmissão da doença. O animal citado no vídeo, na realidade, é a broca-dos-frutos (Lobiopa insularis), um coleóptero. Em sua forma adulta, a broca se torna um pequeno besouro. Ao encontrar um fruto sobremaduro, isto é, aqueles que passaram do ponto ideal de consumo, o “bichinho” perfura o fruto e deposita seus ovos, dando origem às larvas. E não se engane, na falta de morangos, esses simpáticos animais também podem atacar plantações de goiaba e manga.
Apesar do pequeno tamanho (pequeno, não microscópico), eles podem causar enormes prejuízos a plantações se não forem controlados rapidamente. Os ataques podem levar à podridão do fruto e à entrada de microorganismos oportunistas, diminuindo o período de armazenamento do alimento. Ao contrário do que diz o vídeo, eles são inofensivos aos humanos. E (apesar de nojento), muito provavelmente você já deve ter consumido um. Para completar, não encontramos nenhum estudo científico que relacione a broca-dos-frutos com doenças em humanos.
Apesar de tudo isso, as orientações dadas ao final do vídeo, de higienizar bem os alimentos e, de preferência, deixá-los de molho (especialmente aqueles que serão consumidos crus) estão corretas! Uma boa higienização garante ainda mais a segurança para o consumo desses alimentos.
Em resumo: a história que diz que a broca-do-morango causa doenças como hepatite A é falsa! A pobre broca-dos-frutos (Lobiopa insularis) só representa perigo aos morangos docinhos e, em certa medida, também à produção de goiaba e manga. Mas não causa nenhum problema à saúde humana (e é muito provável que você já tenha consumido uma sem saber). Surtos de hepatite A relacionados à polpas de morango já ocorreram, em especial, nos EUA. Entretanto, não foi possível identificar se o problema veio do produto in natura ou na fase de processamento do alimento. Além disso, tanto a hepatite A quanto a hepatite E são transmissíveis por contato direto com fezes ou água e alimentos contaminados. Por fim, a Anvisa possui normas claras e rígidas em relação ao controle sanitário de alimentos. Se toda essa história realmente fosse comum, certamente a Anvisa já teria tomado providência. Ou seja, a história não passa de balela. Não compartilhe!
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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