Boato – Estudo clínico promovido pelo governo federal descobriu que a nitazoxanida é a cura para a Covid-19.
O assunto vacina contra a Covid-19 tem tomado grande espaço nas discussões da sociedade. Seja pela origem da vacina CoronaVac, seja pela interrupção dos testes da vacina AstraZeneca após resultados de reações adversas em participantes ou até pela falta de informações sobre a vacina desenvolvida na Rússia.
Mas, nos últimos dias, o anúncio de que um estudo com a substância nitazoxanida, princípio ativo do remédio Annita, mostrou bons resultados no combate à Covid-19 animou grande parte da população brasileira.
No dia 19 de outubro de 2020, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) concluiu um estudo clínico sobre o uso da nitazoxanida no estágio precoce da Covid-19. O ministro Marcos Pontes anunciou que os estudos mostraram que a nitazoxanida foi capaz de diminuir a carga viral do SARS-CoV-2 (o novo coronavírus). A partir daí, muita gente começou a afirmar que o governo teria encontrado a cura para a Covid-19 e que a pesquisa em questão apontava para isso.
Estudo aponta que a nitazoxanida é a cura para a Covid-19?
A informação caiu como uma bomba nas redes sociais, como no Facebook e WhatsApp. Muita gente começou a comemorar a suposta descoberta e a informação viralizou rapidamente. Apesar da animação, a história não condiz com a realidade.
Na verdade, o evento realizado no dia 19 de outubro de 2020 não tinha como objetivo apresentar a nitazoxanida como a cura para a Covid-19. Na ocasião, o ministro Marcos Pontes apresentou o primeiro resultado “positivo” do estudo clínico promovido pelo governo federal. A conclusão de que a substância seria a cura para a doença surgiu a partir de interpretações equivocadas do estudo. Além disso, o próprio ministro Marcos Pontes afirmou que a substância seria “uma ferramenta” no enfrentamento da Covid-19 e não uma solução para a doença.
Durante o evento, a própria professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Patrícia Rocco, que também é coordenadora do estudo clínico, afirmou que a nitazoxanida não pode ser colocada como uma “bala de prata” para a cura da Covid-19. Apesar disso, ela destacou que o estudo foi bem conduzido e que os primeiros resultados foram animadores.
Vale destacar que o estudo ainda é preliminar, isto é, ainda não foi aceito para a publicação em uma revista científica e, portanto, não foi revisado por pares. No mundo acadêmico, esse processo concede validade científica a um estudo (“comprovado cientificamente”), uma vez que outros cientistas podem avaliar e replicar o estudo para identificar se os resultados são os mesmos. Enquanto a pesquisa não é validada por esse processo, ela não é considerada válida perante à academia e o mundo científico.
Além disso, ao analisar o estudo, diversos especialistas encontraram falhas e inconsistências na pesquisa. A primeira delas foi a não divulgação dos resultados da pesquisa no evento conduzido pelo MCTI. Durante o evento, os pesquisadores não apontaram dados sobre a pesquisa, apenas indicaram que a substância teria funcionado. De acordo com o governo, os dados só seriam divulgados em uma revista internacional (sem citar o nome) e que, por isso, deveriam manter o caráter “inédito” do estudo. Porém, segundo pesquisadores, o ineditismo seria justificado apenas se houvesse uma patente envolvida no estudo, o que não é o caso.
Dias depois, o pré-print (o material que foi submetido para publicação) mostrou que a história não era bem assim. Segundo os dados divulgados no artigo, a nitazoxanida foi capaz de reduzir a carga viral, porém, não os sintomas analisados (como tosse, febre e fadiga) e muito menos os números de hospitalizações. Em resumo, não houve diferença no processo de recuperação dos pacientes que tomaram a substância e daqueles que tomaram placebo. Além disso, os próprios pesquisadores do estudo admitiram que a pesquisa possui uma série de limitações.
Se isso não fosse suficiente, o objetivo inicial do estudo não era identificar se a substância nitazoxanida era capaz de reduzir a carga viral. De acordo com o protocolo registrado na plataforma de registro para ensaios clínicos, o objetivo do estudo era determinar se a nitazoxanida era capaz de reduzir o tempo dos sintomas (febre, tosse e fadiga). Ou seja, a descoberta foi algo secundário. Além disso, o protocolo só foi registrado em meados de setembro, meses depois que os testes foram iniciados, e diversos participantes acabaram sendo excluídos do resultado final.
Por fim, contatamos a doutora em microbiologia, Natalia Pasternak, para esclarecer mais algumas dúvidas. De acordo com a microbiologista, a nitazoxanida não pode ser considerada uma cura e sequer um tratamento para a Covid-19. “O próprio estudo mostra, claramente, um resultado negativo. A nitazoxanida não foi capaz de reduzir os sintomas de tosse, febre e fadiga, que era a proposta do próprio estudo”, afirma ela.
Ainda segundo a microbiologista, o resultado secundário, isto é, a descoberta da redução da carga viral é questionável, uma vez que uma série de limitações foram identificadas no estudo. “Se é que, realmente, aconteceu essa diminuição de carga viral, o que é discutível, de acordo com a forma como os resultados foram apresentados, é irrelevante para a transmissão, pois foi medida em um momento onde as pessoas já não estão na janela contagiosa”, ressalta. Natalia Pasternak ainda destaca que o que ocorreu foi uma tentativa de “espremer um resultado positivo” frente ao fracasso do objetivo inicial da pesquisa.
Em resumo: a história que diz que um estudo promovido pelo governo federal indica que a nitazoxanida é a cura para a Covid-19 é falsa! O estudo promovido pelo governo federal não demonstrou sucesso, uma vez que o objetivo inicial da pesquisa (determinar se a substância seria capaz de reduzir os sintomas de febre, tosse e fadiga, causados pela doença) não foi alcançado. A constatação da redução da carga viral foi um achado secundário e, segundo especialistas, é questionável, uma vez que diversos fatores limitantes foram encontrados no material apresentado para a publicação em revista científica. Dentre eles, a exclusão de participantes no resultado final (levantando dúvidas sobre a condução dos testes pela metodologia duplo-cego, onde nem os pesquisadores e nem os participantes sabem se tomaram placebo ou a substância), a falta de acompanhamento a longo prazo e a falta de dados consistentes (os resultados foram apresentados de formas distintas, indicando coisas diferentes em materiais de divulgação).
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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