Boato – Novo coronavírus possui pH ácido (entre 5,5 e 8,5) e ingerir alimentos alcalinos (como o limão, abacate, alho etc) pode matá-lo, diz Revista de Virologia de 2020.
A pandemia do novo coronavírus tem exigido bastante de vários profissionais, como os pesquisadores, que estão trabalhando para encontrar um tratamento ou a própria cura da Covid-19. Mesmo sabendo da importância da Ciência neste momento, o governo brasileiro optou por cortar diversas bolsas de mestrado e doutorado que poderiam subsidiar diversos projetos, inclusive aqueles com ligação com o novo coronavírus.
Em meio ao trabalho científico, entretanto, muita desinformação continua circulando nas redes sociais. Uma publicação que está sendo bastante compartilhada, por exemplo, afirma que a “Revista de Virologia” teria publicado um estudo que mostra que o pH do novo coronavírus seria ácido (variando de 5,5 a 8,5). Ainda segundo a postagem, tudo o que precisaríamos fazer seria ingerir mais alimentos alcalinos. São citados como alimentos do tipo limão, abacate, alho, manga, tangerina, abacaxi, dente de leão e laranja. Confira:
Confira o desmentido em vídeo
“Isso serve para informar a todos que o pH do vírus corona varia de 5,5 a 8,5. * PESQUISA: REVISTA DE VIROLOGIA, MARÇO DE 2020, PÁGINA 19* Tudo o que precisamos fazer, para vencer o vírus corona, precisamos ingerir mais alimentos alcalinos que estão acima do nível de pH acima do vírus. Alguns dos quais são: Limão – 9,9pH Abacate – 15,6pH Alho – 13,2pH Manga – 8,7pH Tangerina – 8,5pH Abacaxi – 12,7pH Dente de leão – 22,7pH Laranja – 9,2pH Não guarde essas informações apenas para si mesmo. Passe para todos”.
Revista de Virologia afirmou que pH do novo coronavírus é ácido e que devemos comer alimentos alcalinos?
A informação viralizou nas redes sociais e deixou muita gente acreditando na solução apresentada pela história. Mas será que a Revista de Virologia realmente afirmou que o pH do novo coronavírus é ácido e que ingerir alimentos alcalinos poderia matá-lo? A resposta é não!
Vamos aos detalhes! Uma simples leitura na publicação já acende o sinal de alerta. A mensagem segue aquele velho roteiro de fake news na internet, como o caráter vago (não diz data e nem o local onde a revista teria sido publicada), alarmista, possui erros de português, pedido de compartilhamento e não cita fontes confiáveis.
Além disso, nesse período de pandemia, infelizmente, o número de histórias sobre tratamentos contra o novo coronavírus tem apenas aumentado. A equipe do Boatos.org já desmentiu diversas delas, como a que dizia que a auto-hemoterapia seria capaz de curar a Covid-19. Também a que apontava que gargarejo com água morna, sal e vinagre poderiam matar o novo coronavírus e, por fim, a que indicava que beber água quente poderia eliminar o novo coronavírus, que não suportaria temperaturas maiores do que 26°C.
Ao buscar sobre o assunto na internet, não encontramos nada sobre a tal Revista de Virologia (de onde é, quem é o responsável pela publicação etc). Aliás, encontramos um anúncio da Sociedade Brasileira de Virologia que recomenda o isolamento social. Então, se possível, continue em casa!
Antes de entrarmos no desmentido, entendemos ser necessário compreender o funcionamento de um vírus e também o que é o pH para, depois, entrarmos em nossa análise. Um vírus é um ser bastante simples e composto apenas de uma cápsula proteica que envolve o material genético (que pode ser o DNA, o RNA ou os dois juntos). Vale ressaltar que o vírus é um ser acelular, isto é, ele não possui células. Por isso, necessita de uma célula hospedeira para poder se reproduzir (após invadir e dominar o sistema de auto-reprodução celular).
O pH, por sua vez, é o que chamamos de potencial Hidrogêniônico, uma escala que mede o grau de acidez, neutralidade ou alcalinidade de uma solução. A medida é feita com base na quantidade relativa de íons hidrogênio (H+) e íons hidroxila (OH-) presentes na mistura. Quanto maior o número de H+, mais ácida será a solução (na escala, o valor será de 7 a 1). Quanto maior a presença do íon hidroxila (OH-), mais alcalina será a solução (na escala, o valor será de 7 a 14). Quando a quantidade desses íons forem iguais em uma solução, significa que a mistura é neutra (pH 7).
Nas células humanas, o pH fica em torno de 6,8. Enquanto o do nosso sangue fica próximo do 7,4. Valores extremos de pH, próximo de 0 ou de 14, são considerados desfavoráveis para a vida. Dessa forma, é verdade que o coronavírus não sobreviveria em um ambiente muito alcalino, porém as células do nosso corpo também não!
Aqui no Boatos.org, já desmentimos várias histórias sobre o uso do limão para “acidificar” o sangue ou o organismo, como a publicação falsa que dizia que o médico Rafael Sato teria indicado limão para matar as células cancerígenas. Acontece que essa história de “acidificar” ou “alcalinizar” o organismo por meio da alimentação não faz o menor sentido.
A revista Science destacou que o nosso sangue é ligeiramente alcalino, assim como já mostramos anteriormente. De acordo com a revista, o próprio corpo humano possui uma autorregulação desse processo, mantendo o nosso organismo dentro de uma faixa saudável. Para isso, os rins entram em ação e conseguem eliminar a acidez ou alcalinidade extra presente no corpo por meio da urina (essa sim pode alterar o seu pH).
Logo, se o vírus está dentro das nossas células e o nosso organismo não pode mudar o pH para combatê-lo, então o vírus continuará lá. Além disso, também procuramos pela história de hoje em outros países e encontramos um desmentido sobre o assunto.
De acordo com o site African Check, um estudo publicado no Jornal de Virologia, da Sociedade Americana de Microbiologia, em 1991, foi o responsável por toda a confusão. O trabalho intitulado “Alteração da dependência do pH da fusão celular induzida por coronavírus: efeito de mutações na glicoproteína Spike” não estudou o novo coronavírus, conhecido como SARS-CoV-2.
A pesquisa analisou o coronavírus responsável pela hepatite em camundongos, ou hepatite murina, o MHV4. E sequer se tratava de um estudo a respeito de humanos. Além disso, o artigo é bastante claro: ele não pretende descobrir qual o nível de pH do vírus. A pesquisa queria entender o que acontece quando “células murinas suscetíveis” (células de ratos ou camundongos) são infectadas pelo MHV4 em um ambiente de pH “de 5,5 a 8,5”. E nem precisamos dizer que a cepa (tipo) de coronavírus analisada pelo estudo não é a mesma que causa a Covid-19, não é?
Para finalizar, a história foi tão mal escrita que até o pH dos alimentos listados estão errados. O abacate (que aparece com um pH de 15,6) é o erro mais grotesco, pois a escala do pH vai somente até o 14. De acordo com a agência estadunidense Food and Drug Administration (FDA), o órgão semelhante à Anvisa, os valores corretos são bem diferentes. O pH do abacate estaria entre 6 e 6,5; o limão estaria entre 2 e 2,6; o alho ficaria na casa do 5,8 e a laranja entre 3 e 4; a manga madura estaria entre 3,4 e 5; enquanto isso, a tangerina estaria entre 3,3 e 4,5 e o abacaxi ficaria entre 3,2 e 4.
Em resumo: a história que diz que a Revista de Virologia afirmou que o pH do novo coronavírus é ácido e ingerir alimentos alcalinos seria suficiente para matar o vírus é falsa! Essa história de “acidificar” ou “alcalinizar” o organismo é pura balela. Nosso corpo, simplesmente, não aguentaria uma variação de pH tão grande. Além disso, nosso organismo consegue se autorregular por meio dos rins, eliminando o excesso de acidez ou alcalinidade no corpo. Vale destacar também que o estudo usado para embasar essa teoria sequer analisa o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e não tem nada a ver com medir o pH do vírus. Ou seja, a história não passa de uma grande balela! Não compartilhe, fique em casa (se possível) e continuem acompanhando o Boatos.org. Até a próxima!
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61) 99177-9164.
Confira a lista de todas as fake news sobre o novo coronavírus
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