Boato – A Universidade de Yale (nos EUA) concluiu um estudo que prova que a hidroxicloroquina é segura e eficaz. Trabalho saiu ontem e coloca medicação no nível de evidência 1 para tratamento da Covid-19.
A pandemia surgiu na China, passou pela Europa, chegou ao Brasil, arrasou o Brasil, está arrefecendo e ainda tem gente falando que a hidroxicloroquina é a solução contra a Covid-19. O mais chato disso é que a tese falsa é baseada em pequenas histórias falsas que “forçam” desmentimos de mais do mesmo.
A última história que circulou online dá conta de que a Universidade de Yale (nos EUA) concluiu que a hidroxicloroquina é segura e eficaz contra a Covid-19. Isso teria ocorrido “ontem” e colocaria a medicação no “nível de evidência 1” no tratamento contra o coronavírus. Ou seja: seria a prova de que a cloroquina (ou hidroxicloroquina) cura a Covid-19. Leia a mensagem que circula online:
SAIU ONTEM… Então, a tão esperada meta-análise chegou! O Trabalho da Universidade de Yale – USA, do PhD Dr Harvey Risch conclui que o uso da Hidroxicloroquina é seguro, além de ser efetivo na diminuição de infecção, hospitalização e morte.
Sabem o que isso significa? Que em conjunto com os mais de 111 trabalhos observacionais, esse trabalho dá o tão exigido NÍVEL DE EVIDÊNCIA 1 para tratamento da COVID-19 (com recomendação A)! E pasmem! Menos de 10 % das medicações NO MUNDO TODO tem esse nível de recomendação. E agora Sociedade Brasileira de Infectologia …. ? E agora imprensa…? Vão se retratar e humildemente pedir desculpas pelo genocídio pelo qual foram responsáveis ao se misturar política com medicina!?
Universidade de Yale divulgou ontem estudo que prova que hidroxicloroquina é segura e eficaz?
Como vocês viram acima, já teve gente falando “e agora imprensa, vão se retratar”. Infelizmente, a única correção que teremos que fazer é em relação à mensagem em si. Não é verdade que a Universidade de Yale publicou qualquer estudo ontem e também não é verdade que há evidências científicas de que a hidroxicloroquina cura a Covid-19.
O primeiro ponto está no histórico de informações falsas que tentam fazer com que a tese que aponta que a hidroxicloroquina é eficaz contra a Covid-19 “cole”. Já desmentimos informação falsas que apontavam que a Novartis havia dito que o remédio é eficaz, que a França havia dado o braço a torcer, que Senegal era um exemplo de combate à doença, que a FDA havia liberado o tratamento para todos, que o estudo que mostra que a cloroquina não é eficaz é fraudado etc. Temos até um vídeo sobre um desses temas:
Para além disso, a mensagem em si carrega algumas características de boatos online. Ela é vaga, alarmista e tem erros de português. Ela até cita uma fonte confiável (de forma bem vaga), mas esse detalhe já nos ajudou a checar a informação e descobrir que se tratava de um fake.
Vamos começar pelo final. Não me levem a mal, mas vou colocar em caixa alta para vocês entenderem: NÃO HÁ EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS QUE COMPROVEM QUE A HIDROXICLOROQUINA É EFICAZ NO TRATAMENTO DA COVID-19. A partir do momento que não há evidências (isso são as principais autoridades em saúde que apontam isso), não há “nível de evidência” de cura. Nem nível 1, nem nível 2, nem nível 38. Nada.
Mas e o estudo? Tentamos procurar por qualquer estudo recente que “comprove” a eficácia da hidroxicloroquina e não encontramos nada que sustente isso. As únicas coisas que encontramos foram um artigo escrito em maio pelo professor Harvey Risch no qual ele cita acreditar que a hidroxicloroquina atenuaria a crise da Covid-19 se tratada em pacientes com sintomas iniciais e um estudo preliminar que apontaria para a eficácia do medicamento.
O estudo não revisado por pares que apontaria para a eficácia da hidroxicloroquina contra a Covid-19 foi divulgado em setembro de 2020 (não ontem). Porém, trata-se de um estudo que não está concluído (ele precisa ser revisado por pares para deixar de ser preliminar). Ou seja: ele não afere qualquer nível de evidência científica do medicamento.
Só para comparar, no mesmo período um estudo revisado por pares foi publicado no New England Journal Of Medicine e aponta que não há eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Dado o resultado da primeira manifestação do professor sobre o assunto em questão, é provável que o estudo não passe de um pré-print.
Isso porque o texto do Dr. Harvey Risch sobre a hidroxicloroquina foi muito criticado. O próprio reitor da Universidade de Yale escreveu em agosto que professores da instituição discordavam do artigo e que a FDA não recomendava a hidroxicloroquina.
Em agosto, colegas do professor (mais ou menos uns 30) escreveram uma carta conjunta apontando preocupação com o artigo de Harvey Risch. No texto, eles apontam diversos estudos que mostram que a hidroxicloroquina não é eficaz e pode colocar pacientes em risco. Dá uma lida no trecho final da carta:
Embora as opiniões minoritárias, evidências anedóticas, novas interpretações e desafios às ortodoxias em um campo possam ser importantes, em algum ponto, a aplicação do método científico que gera evidências de vários ensaios clínicos bem planejados e estudos observacionais é importante e deve ser ouvido. o barulho das teorias da conspiração, supostas fraudes e as opiniões dos fanáticos.
Ainda em agosto, outro grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford publicou no American Journal of Epidemiology críticas ao trabalho do Dr. Harvey Risch. No mesmo mês, um artigo de notícias de um veículo local fez uma matéria com o título “Professor é criticado por promover medicamento não comprovado para tratar COVID-19”.
Resumindo: não há qualquer estudo da Universidade de Yale publicado ontem que comprove a eficácia da hidroxicloroquina contra a Covid-19. O que temos é um estudo preliminar (não revisado por pares e não publicado) e um artigo que foi publicado em uma revista científica em maio e muito criticado. Nem um nem outro fazer com que a hidroxicloroquina tenha qualquer nível de evidência (1, 2, 17, 38…) no combate à Covid-19.
Ps.: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo site, Facebook e WhatsApp no telefone (61)99177-9164.
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